Êxodo de funcionários: o que está por trás das transformações nas bigtechs?
20 de janeiro de 2023O êxodo de funcionários ocorre num contexto de global de inflação, retração do consumo, altas dos juros e os impactos da guerra da Ucrânia
Por Fernando Moulin
Em 2022, o mercado de tecnologia brasileiro foi impactado por uma onda de demissões que segue até hoje e atingiu algumas das mais importantes startups do país.
Empresas como Loft e Quinto Andar tiveram seus quadros reduzidos em cerca de 800 colaboradores.
No mesmo período, o iFood diminuiu em 50% a abertura de novas vagas.
Os cortes realizados por unicórnios altamente capitalizados acenderam um alerta para empreendedores, investidores e profissionais do setor.
O êxodo de funcionários deve ser analisado como parte de um contexto econômico global, marcado pelo aumento da inflação, pela retração do consumo e pelas altas das taxas de juros em diversos países, além dos impactos da guerra da Ucrânia.
Com o aumento dos juros em todo o mundo, o apetite do capital de risco diminui e, por conseguinte, o cenário veio seguido da desaceleração de investimentos nas startups em geral.
Temos acompanhado o surgimento e crescimento acelerado de inúmeras startups nos últimos anos. Rodadas de investimento e abertura de capital viabilizaram o uso de estratégias de remuneração agressivas, capazes de atrair as melhores mentes para a construção dos negócios.
Nesse processo, foi criado um grande volume de novas vagas sem que houvesse mão de obra especializada suficiente para suprir a demanda do mercado em franco crescimento.
Assistimos, então, a uma escalada nos patamares salariais em níveis que extrapolaram qualquer padrão anterior – muitas vezes exagerada, em meu entender.
Porém, segundo dados da plataforma de inovação aberta Sling Hub, os aportes em startups na América Latina recuaram 35% em abril em comparação ao mesmo período de 2021.
Acostumadas com investimentos pesados, a desaceleração no setor fez com que muitas empresas do ramo da tecnologia tomassem a decisão de reduzir gastos para controlar a situação internamente.
Neste contexto, outro ponto que explica as demissões é justamente esse crescimento desestruturado e a necessidade de ajustes estratégicos de rota.
Como havia acesso a dinheiro farto para as empresas de tecnologia até então, a pressão dos investidores era por crescimento acelerado a todo custo, mesmo que houvesse prejuízo financeiros nos resultados.
Empresas focadas em rápido crescimento acabam sendo fortes consumidores de caixa, exigindo altos volumes de capital para manter a continuidade de suas operações e expansão, com um alto nível de risco.
Deste modo, muitas cresceram muito rápido e desenvolveram áreas sem estruturação consistente, pagando salários muito altos para desenvolvimento, mas sem a garantia da eficiência na outra ponta do processo.
Quando uma empresa precisa capturar rapidamente as oportunidades existentes no mercado e crescer, se torna difícil otimizar com uma visão mais interna que externa. Essa é uma realidade clássica do mundo dos negócios.
Empregadores das big techs passaram a conceder aumentos salariais com maior frequência para tentar evitar a perda de profissionais para o mercado, mesmo que não houvesse necessariamente uma contrapartida no crescimento dos resultados.
Desde o mês de abril, esses fatores vêm mudando drasticamente. Agora, com custo de capital mais alto, os investidores estão optando por migrar esse dinheiro para locais mais seguros, empresas consolidadas, títulos de renda fixa ou mesmo em start-ups “camelo”, que geram caixa em suas operações e possuem enorme resiliência para atravessar períodos desérticos e de grandes provações – ao invés de optar por startups que necessitam queimar dinheiro para manter suas operações.
A turbulência econômica no Brasil e no mundo deve continuar influenciando as decisões de empreendedores e investidores nos próximos meses.
Os ajustes nos quadros de colaboradores e nas folhas salariais denotam uma maior racionalidade financeira em grande parte do ecossistema de inovação aberta nacional e mundial.
Adicionalmente, a migração de investimentos para negócios early stage e startups de médio porte pode se revelar como um bom caminho para facilitar a recolocação de colaboradores demitidos.
A busca por profissionais qualificados segue sendo um dos principais gargalos de negócios de tecnologia – e deve continuar abrindo novas oportunidades no ecossistema de startups nos próximos meses, bem como nas empresas da “economia tradicional”, que reabsorverão parte desses talentos, agora com novas competências e qualificações.
Seja como for, toda essa transição salarial traz novas experiências e lições para os empreendedores, start-ups e colaboradores.
Hoje, o mercado de tecnologia e inovação tem uma chance de revisitar seu modus operandi, aprimorar ainda mais suas práticas e eficiência competitiva e de criar novas possibilidades de aceleração e geração de resultados em sua busca pelo crescimento e maturidade.
Sobre o Autor
Fernando Moulin é partner da Sponsorb, empresa boutique de business performance, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente.
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