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Assinatura digital – aspectos jurídicos – Parte I

Assinatura digital – aspectos jurídicos – Parte I

14 de fevereiro de 2015
Dr. Augusto Marcacini - Colunista CryptoID

Dr. Augusto Marcacini – Colunista CryptoID

Após uma breve apresentação inicial dos objetivos desta coluna, feita no meu texto inaugural, inicio efetivamente a minha participação aqui no Crypto ID trazendo ao leitor alguns comentários sobre as assinaturas digitais, especialmente sobre os seus aspectos jurídicos. Pretendo fazê-lo em uma pequena série de textos, a começar por este.

Desde alguns anos, falar em assinatura digital é algo que já não soa tão estranho nos meios jurídicos. Com a informatização do Poder Judiciário, advogados, juízes e promotores passaram amplamente a utilizá-la. Entretanto, a explicação do que é uma assinatura digital ainda carece de um maior amadurecimento e, na minha modesta opinião, o legislador nacional também não tem sido muito feliz em suas tentativas de defini-la. E o conhecimento científico – sim, o Direito também é uma ciência! – não pode prescindir de conceituações precisas.

Para, entretanto, definirmos o que é uma “assinatura digital”, parece relevante, antes de mais nada, fixarmos o que entendemos por uma “assinatura”, ou melhor, qual seria, para o Direito, o significado da palavra “assinatura”. Ou, para ser ainda mais específico, que função juridicamente útil se espera das assinaturas, de modo que disso possamos extrair uma definição?

Notem que a palavra assinatura expressa muitos significados, a depender do ramo do conhecimento que a emprega. Traz, em geral, a conotação comum de ser um sinal distintivo, identificador de algo ou de alguém. A biologia, por exemplo, utiliza a expressão “assinatura genética” para se referir a características cromossômicas que identificam seres vivos, linhagens ancestrais, ou a predisposição genética para certas doenças. Fala-se em “assinatura química” para designar traços identificadores da presença de alguma substância. Astrônomos observam atentamente as “assinaturas” da luz, desta vez para detectar frequências do espectro luminoso que permitam conhecer a matéria presente em corpos celestes muitíssimo distantes do nosso planeta azul.

No universo da informática, um dos usos dados à palavra “assinatura” é o de designar um dado que serve para identificar outro dado, e isso normalmente é feito com uso de funções matemáticas conhecidas por “funções hash” (ainda comentarei algo sobre as funções hash, com mais vagar, noutra oportunidade). Em poucas palavras, uma função hash é uma sequência de operações matemáticas que obtém como resultado um número resumido, de tamanho sempre fixo, calculado a partir de um outro dado de tamanho variado, como, por exemplo, um arquivo qualquer, seja em formato “doc”, “pdf”, “zip”, “mp3”, tenha ele alguns poucos bytes de tamanho, como uma pequena mensagem de texto, ou os muitos gigabytes de um vídeo em alta definição (arquivos esses que, na verdade, também são números, nada mais do que números…).

Assim, é comum que o resultado dessas funções hash seja apresentado como uma “assinatura do arquivo”, que identifica aquele arquivo, prestando-se, entre outras finalidades, a conferir se o arquivo que foi copiado (ou baixado da Internet) é perfeitamente idêntico ao arquivo original. Com isso, podem ser detectados erros na operação, seja de gravação de arquivos em um CD, seja de transmissão dos dados por intermédio de redes de computadores, como a Internet. Isto é, se o resultado calculado sobre o arquivo de destino for diferente daquele do arquivo de origem, algo de errado aconteceu, o arquivo copiado encontra-se corrompido e, portanto, devemos começar tudo de novo.

Creio que deve parecer claro a qualquer observador mais atento que nenhum desses usos da palavra assinatura se aproxima daquele sinal que as pessoas apõem em contratos, recibos, cheques, notas promissórias e documentos em geral. Como, então, definir a assinatura de documentos no ambiente jurídico e negocial, ou noutros contextos sociais? A que se presta uma assinatura nesses cenários? Por que a utilizamos?
É a partir dessas respostas que será possível definir, por consequência, o que podemos chamar de assinatura digital, ao menos enquanto se pretenda, com esta expressão mais moderna, designar algo que corresponda funcionalmente à velha assinatura manuscrita.

Adianto que, ao que me parece, esse uso que a informática emprestou ao vocábulo, o da locução “assinatura do arquivo” apresentada acima, contaminou indevidamente o significado jurídico que vem sendo dado à expressão “assinatura digital”. A língua, sem dúvida, é dinâmica. Chamem o que quiserem de assinatura! Se se tornar usual, esse novo uso da palavra integrará o nosso vocabulário, e no futuro poderá até ser dicionarizada! Mas não queiram que essa coisa qualquer que passaram a chamar de assinatura seja equivalente à assinatura autógrafa tradicional e possa produzir os mesmos fins jurídicos que dela se espera.

Continuo essa discussão em breve. Até a próxima coluna!

Sobre Dr. Augusto Marcacini

  • Advogado em São Paulo desde 1988, atuante nas áreas civil e empresarial, especialmente contencioso civil, contratos e tecnologia.
  • Sócio do escritório Marcacini e Mietto Advogados desde 1992.
  • Bacharel (1987), Mestre (1993), Doutor (1999) e Livre-docente (2011) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
  • Professor no Mestrado em Direito da Sociedade da Informação da UniFMU desde 2011, lecionando a disciplina “Informatização Processual, Provas Digitais e a Segurança da Informação”.
  • Professor de Direito Processual Civil desde 1988, em cursos de graduação e pós-graduação.
  • Vice-Presidente da Comissão de Direito Processual Civil, Membro Consultor da Comissão de Informática Jurídica e Membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da OAB-SP (triênio atual: 2013-2015)
  • Ex-Presidente da Comissão de Informática Jurídica e da Comissão da Sociedade Digital da OAB-SP (triênios 2004-2006, 2007-2009 e 2010-2012) e Ex-Membro da Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB (triênio 2004-2006).
  • Autor de diversos livros e artigos, destacando-se na área de direito e tecnologia: “O documento eletrônico como meio de prova” (artigo, 1998), “Direito e Informática: uma abordagem jurídica sobre a criptografia” (livro, 2002), “Direito em Bits” (coletânea de artigos em coautoria, 2004), “Processo e Tecnologia: garantias processuais, efetividade e a informatização processual” (livro, 2013) e “Direito e Tecnologia”, (livro, 2014).
  • Palestrante e conferencista.
  • Colunista e membro do conselho editorial do Instituto CryptoID.