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Sem regulamentação, acordo Brasil-Facebook pode violar Marco Civil

Sem regulamentação, acordo Brasil-Facebook pode violar Marco Civil

21 de maio de 2015
Joyce-pf

Joyce Souza

No mês em que se comemorou um ano da histórica aprovação do Marco Civil da Internet no Brasil, a presidenta Dilma Rousseff, durante a Cúpula das Américas no Panamá, posou para foto vestida em um casaco com o logo do Facebook, ao lado de seu criador, o norte-americano Mark Zuckerberg, e anunciou um possível acordo entre o governo brasileiro e a plataforma de rede social, colocando em cheque a neutralidade de rede, princípio basilar do Marco Civil.

Por Joyce Souza*

A neutralidade da rede define o tratamento da navegação dos usuários na Internet pelas operadoras de telecomunicações. É ela quem garante que os pacotes de dados que circulam na Internet sejam tratados de forma isonômica, sem distinção por conteúdo, origem, destino ou serviço.

Isso significa uma Internet neutra, em que as operadoras não podem fazer distinção de tráfego com base em acordos comerciais e nem privilegiar determinados pacotes de dados, com cobranças mais altas.

O Marco Civil da Internet foi uma conquista mundial, que recebeu apoio e elogio inclusive de Tim Berners-Lee, criador dos protocolos que deram origem ao World Wide Web (www). Durante um evento realizado em 2014, em São Paulo, sobre a Internet (arenaNETmundial), Tim comemorou a aprovação do Marco Civil e elogiou a iniciativa do governo brasileiro, pois para o “pai” da web.

“A Internet é livre e aberta, é uma fonte de incrível criatividade, de crescimento econômico e, se alguém for controlá-la, vai dar a eles muito poder. Essa tentação de tentar controlar a Internet é sempre desejada por companhias e governos, e temos sempre que impedir isso, e o Marco Civil é um grande passo neste sentido”, afirmou Tim Berners-Lee.

Com o objetivo de conectar os dois terços do mundo que ainda não têm acesso à Internet, o Internet.org está se instalando na América Latina, Sudeste Asiático e África. O projeto oferece conexões “gratuitas” a diversas regiões destes continentes, mas apenas à página do Facebook e de alguns outros sites e aplicativos parceiros de Zuckerberg. Para acessar todo o restante disponível na rede, os usuários terão de pagar. No caso do Brasil, já existe um projeto piloto na favela de Heliópolis, em São Paulo.

Para o Doutor em Ciência Política e ativista da liberdade na rede, Sergio Amadeu, o Facebook dá “gratuidade” à rede em troca do direito de monetizar a vida dos cidadãos pobres. “O que Zuckerberg realmente almeja com o Internet.org é ampliar o seu banco de dados para vender os perfis de seus usuários para publicidades dirigidas. Esse mercado se tornou extremamente rentável em um mundo em que as sociedades estão atuando cada vez mais em rede”, afirma Amadeu.

Compartilhando ideias semelhantes as de Tim Berners-Lee, Sergio Amadeu afirma, ainda, que sem a regulamentação do Marco Civil da Internet, o que mais preocupa é a violação da neutralidade da rede: “para cobrar de Zuckerberg pelos acessos ao Facebook e as páginas de seus parceiros, as operadoras terão de acompanhar a navegação e guardar os dados de acesso de todos os usuários, o que é proibido e está explícito no artigo 14 do Marco Civil, defendido pelo próprio governo. Quem oferece a conexão na rede, não pode acompanhar a navegação. O que o Internet.org fará é uma abusiva e inaceitável violação de privacidade”.

O texto do decreto de lei que regulamentará a Internet no Brasil está em fase final. Durante três meses, a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça abriu para debate público e recebeu quase mil comentários, distribuídos por mais de 300 assuntos e, dentre as pautas mais discutidas, está a neutralidade.

Sem a regulamentação, que garantirá detalhadamente o respeito à neutralidade e em quais casos ela poderá vir a ser violada, as operadoras de telecomunicações estão realizando parcerias com empresas para fornecimento de acessos gratuitos a determinadas páginas/conteúdos, como é o caso do Internet.org.

Para Amadeu, cada vez que uma parceria desta é firmada e a neutralidade violada, o país beneficia o desinvestimento em telecom. “Se as operadoras investissem adequadamente, atendendo as necessidades da sociedade e o crescimento constante de tráfego de dados do mundo atual, do qual elas têm inúmeros estudos estatísticos apresentando esses dados, não haveria a necessidade de quebrar a neutralidade e de privilegiar um conteúdo em detrimento de outro. Porém, esse investimento significa queda momentânea nos lucros e por isso as grandes corporações querem congestionar  o tráfego, para terem a desculpa da quebra da neutralidade por problemas técnicos, e  adiar o plano de investimento, prejudicando constantemente o consumidor, que paga um dos valores mais altos do mundo por um serviço de péssima qualidade”.

Sem a participação efetiva do Governo em serviços de telecom, em especial, relacionados ao plano nacional de Banda Larga, (projeto criado no Governo Lula e posto de lado pelo ex-Ministro das Comunicações do Governo Dilma Rousseff, Paulo Bernardo), e sem cobranças efetivas e metas expressivas para que as grandes empresas de telecomunicações invistam em infraestrutura adequada, a neutralidade da rede a neutralidade da rede corre o risco de ser progressivamente violada, seja por razões técnicas ou por conta de projetos ambiciosos como este proposto pelo Facebook.

Desta forma, a população não usufruirá dos três objetivos primordiais do Marco Civil da Internet: privacidade, neutralidade e liberdade na Internet.

*Joyce Souza

Jornalista com especialização em Gestão Integrada da Comunicação Digital em Empresas, pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (Digicorp).