Enquanto nos EUA a criptografia e a segurança da informação são tema de debate e declarações em agências de investigação, congresso, tribunais e na Casa Branca, boa parte dos governos do mundo age como espectadores, limitando suas opiniões sobre o tema a momentos de grande comoção pública, como após o atentado de Paris, quando agências de segurança, promotores e congressistas em vários países levantaram a velha bandeira da vigilância a todo custo, capitalizando no medo e no pânico para propor leis que tolhem a liberdade e o direito à privacidade.
É preciso reconhecer que o debate avança nos EUA (ou pelo menos está em pauta) o que não é necessariamente bom, pois por si só a condição se converte em uma ameaça. O tema está sendo vigorosamente debatido em caráter doméstico, como se as decisões a respeito do que cada cidadão do planeta faz com a tecnologia pudessem ser tomadas por somente um país.
Eles possuem o privilégio de controlar boa parte da comunicação e dos serviços na internet, mas esse debate sobre criptografia precisa ser internacional.
Ainda mais quando os atores envolvidos nos EUA comportam-se de forma incoerente em situações diversas.
Um artigo recente conta como a Apple concordou em colaborar em pelo menos 70 outras investigações realizadas por diversas instâncias do governo desde 2008, contrariando boa parte do que Tim Cook afirmou em sua carta de 16 de fevereiro.
Pelo menos um desses casos — uma investigação sobre o tráfico de metanfetamina em Nova York — traz reviravoltas que expõe ambiguidades no discurso de Cook. Inicialmente, a empresa se recusou a quebrar a senha do aparelho de Nova York, da mesma forma que se recusou a fazê-lo no caso de San Bernardino.
Posteriormente reconheceu que o iPhone do caso novaiorquino usava uma versão do sistema operacional (versão 7) que permitia à empresa acessar — sem qualquer conflito ético — “certas informações não criptografadas” sem precisar quebrar a senha.
A Apple é uma corporação. Como tal, depende de que as pessoas consumam seus produtos, sua marca, sua “ideia”. O caso acima prova que a resposta de Tim Cook à ordem judicial recente foi uma reação calculada de uma corporação preocupada com a sua imagem em um mercado pós-revelações de Edward Snowden.
Mas não, a Apple não está sozinha.
Oficiais de justiça também apresentaram sua cota de informações desencontradas. Um promotor do caso teria reconhecido que “uma das agências de investigação dos EUA já desenvolveu uma tecnologia para quebrar a segurança de alguns modelos de iPhone sem precisar de assistência da Apple”. A mesma assistência que o FBI pediu à Apple via ordem judicial.
Há muito em jogo. Corporações já perceberam que a estratégia dos governos pode prejudicar sua imagem e, consequentemente, suas vendas. Do lado dos governos, a situação é ainda mais delicada. Eles precisam manter e criar políticas que os permita fazer o que sempre fizeram: espionar inimigos e potenciais inimigos estejam onde estiverem, e ao mesmo tempo convencer o povo que a segurança depende do quanto eles sabem de cada um.
Fonte: iopub