Criptografia é o assunto do momento mas não é tema novo nem fácil. O manuscrito Voynich, por exemplo, existe há uns 600 anos e ainda não foi decifrado. Bem mais simples de quebrar, o método de Leonardo da Vinci era escrever textos da direita para a esquerda, para serem lidos num espelho.
Por Demi Getschko – O Estado de S.Paulo
A discussão sobre a legalidade ou não de seu uso também é complexa e atual. Penso que não há como condenar quem escreve algo de forma cifrada, seja para proteger o conteúdo, seja para se resguardar. É um direito seu, análogo ao direito de manter os pensamentos apenas para si. E, por enquanto, a tecnologia ainda nos preserva esse direito – não há equipamentos que leiam o que se passa dentro de nossa cabeça!
Quando, porém, é um aplicativo ou um serviço que inclui a oferta de codificar o que enviamos, há outras implicações. Como garantir que esse serviço faz o que promete? Será que realmente preserva nossa comunicação, ou há, à nossa revelia, algum tipo de “acesso privilegiado”, alguma “porta dos fundos” munida de decodificador cuja chave pode estar nas mãos de terceiros…
Alguns argumentariam que, se há casos onde o Estado ou a polícia precisa conhecer o conteúdo de conversas e um “grampo” pode ser judicialmente solicitado, é razoável querer que exista esse decodificador oculto. A investigação será facilitada e “os que nada tem a esconder, não precisam temer”…
Mas há, sim, o que temer. Se aceitamos por princípio que existem os que têm direito a espionar o que falamos usando um atalho que quebra a codificação, agentes e instituições da lei estariam munidos de uma ferramenta poderosa e privilegiada, que poderia decodificar o conteúdo, tornando-o acessível. Existindo, porém, a chave para essa “porta dos fundos”, essa caixa de Pandora, a situação sairá de controle. O poder escapará das mãos dos que, teoricamente, o usariam para o bem e cairá nas mãos dos mal-intencionados. A analogia que me vem a mente é a com o Senhor dos Anéis, que li lá pelos anos 1990. Nele, o anel corrompia seus donos pelo poder que ele carregava. Independentemente do caráter íntegro que tivessem originalmente, o uso constante do anel os corromperia.
Há uma frase do lorde Acton, espirituosamente modificada pelo Millôr, que diz
Ou seja, se houver essa chave oculta na criptografia do aplicativo que usamos com confiança, se existir esse poder de facilmente ler o que se esperava criptografado, esse poder cairá inevitavelmente em mãos erradas…“lembre-se, filho, que o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe ainda melhor…”
Para complicar ainda mais o cenário já tenebroso, há os que desenvolvem códigos maliciosos para codificar as informações de nosso computador e… pedir-nos “resgate” por elas.
Claro que, com o tempo, novos processos, rodando em computadores mais velozes (quânticos?) tornarão obsoletos os métodos criptográficos hoje “seguros”, e outros serão desenvolvidos. Porém, isso é bem diferente de “atalhos” ocultos.
É preciso resistir à tentação e à pressão de criar portas escondidas. No caso do livro, a única solução para preservar a Terra-Média não foi dar o anel a “pessoas corretas”, mas destruí-lo, livrar-se definitivamente daquela “porta dos fundos”.