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Os senhores do anel

Os senhores do anel

5 de setembro de 2016

 

Criptografia é o assunto do momento mas não é tema novo nem fácil. O manuscrito Voynich, por exemplo, existe há uns 600 anos e ainda não foi decifrado. Bem mais simples de quebrar, o método de Leonardo da Vinci era escrever textos da direita para a esquerda, para serem lidos num espelho.

Por Demi Getschko – O Estado de S.Paulo

A discussão sobre a legalidade ou não de seu uso também é complexa e atual. Penso que não há como condenar quem escreve algo de forma cifrada, seja para proteger o conteúdo, seja para se resguardar. É um direito seu, análogo ao direito de manter os pensamentos apenas para si. E, por enquanto, a tecnologia ainda nos preserva esse direito – não há equipamentos que leiam o que se passa dentro de nossa cabeça!

 Demi Getschko

Demi Getschko

Quando, porém, é um aplicativo ou um serviço que inclui a oferta de codificar o que enviamos, há outras implicações. Como garantir que esse serviço faz o que promete? Será que realmente preserva nossa comunicação, ou há, à nossa revelia, algum tipo de “acesso privilegiado”, alguma “porta dos fundos” munida de decodificador cuja chave pode estar nas mãos de terceiros…

Alguns argumentariam que, se há casos onde o Estado ou a polícia precisa conhecer o conteúdo de conversas e um “grampo” pode ser judicialmente solicitado, é razoável querer que exista esse decodificador oculto. A investigação será facilitada e “os que nada tem a esconder, não precisam temer”…

Mas há, sim, o que temer. Se aceitamos por princípio que existem os que têm direito a espionar o que falamos usando um atalho que quebra a codificação, agentes e instituições da lei estariam munidos de uma ferramenta poderosa e privilegiada, que poderia decodificar o conteúdo, tornando-o acessível. Existindo, porém, a chave para essa “porta dos fundos”, essa caixa de Pandora, a situação sairá de controle. O poder escapará das mãos dos que, teoricamente, o usariam para o bem e cairá nas mãos dos mal-intencionados. A analogia que me vem a mente é a com o Senhor dos Anéis, que li lá pelos anos 1990. Nele, o anel corrompia seus donos pelo poder que ele carregava. Independentemente do caráter íntegro que tivessem originalmente, o uso constante do anel os corromperia.

Há uma frase do lorde Acton, espirituosamente modificada pelo Millôr, que diz

“lembre-se, filho, que o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe ainda melhor…”

Ou seja, se houver essa chave oculta na criptografia do aplicativo que usamos com confiança, se existir esse poder de facilmente ler o que se esperava criptografado, esse poder cairá inevitavelmente em mãos erradas…

Para complicar ainda mais o cenário já tenebroso, há os que desenvolvem códigos maliciosos para codificar as informações de nosso computador e… pedir-nos “resgate” por elas.

Claro que, com o tempo, novos processos, rodando em computadores mais velozes (quânticos?) tornarão obsoletos os métodos criptográficos hoje “seguros”, e outros serão desenvolvidos. Porém, isso é bem diferente de “atalhos” ocultos.

É preciso resistir à tentação e à pressão de criar portas escondidas. No caso do livro, a única solução para preservar a Terra-Média não foi dar o anel a “pessoas corretas”, mas destruí-lo, livrar-se definitivamente daquela “porta dos fundos”.

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