Empresas assumem que conseguem ouvir conversas pelo celular para direcionar propagandas
21 de dezembro de 2023Especialista explica as implicações éticas e legais do uso de tecnologias de escuta ativa para criação de anúncios microssegmentados
Aquilo que uma grande parte do público acreditou durante anos – que os smartphones ouvem as pessoas para veicular anúncios – pode finalmente ser uma realidade em determinadas situações. Até agora, não havia evidências de que tal capacidade realmente existisse.
Porém, duas grandes empresas de marketing dos Estados Unidos da América confirmaram que utilizam o método para direcionar anúncios.
A gigante da mídia Cox Media Group (CMG) afirma ter a capacidade de ouvir as conversas ambientes dos consumidores por meio de microfones embutidos em smartphones, smart TVs e outros dispositivos e usam as informações coletadas para criar anúncios microssegmentados.
Alexander Coelho, especialista em Direito Digital e sócio do Godke Advogados, explica que os anúncios microssegmentados são uma forma de publicidade digital altamente personalizada que utiliza dados coletados sobre indivíduos para direcionar anúncios que são extremamente específicos para suas preferências, comportamentos e necessidades.
“Essa prática é frequentemente alimentada por dados coletados por meio de várias tecnologias, incluindo cookies, beacons e, como mencionado, potencialmente pelo uso de microfones. A microssegmentação pode ser eficaz em termos de marketing, mas levanta preocupações significativas sobre privacidade e consentimento”, pontua.
No caso em questão, a técnica, chamada de “Escuta Ativa”, teria a capacidade de identificar clientes em potencial com base em conversas casuais em tempo real.
De acordo com o próprio site da empresa o resultado do uso dos serviços de escuta ativa seria a compreensão sem precedentes do comportamento do consumidor, para que seja possível entregar anúncios personalizados que façam o público-alvo pensar: “uau, eles devem ler mentes.”
Outra empresa que faz afirmações semelhantes é MindSift. Dois dos três fundadores da empresa de marketing disseram publicamente, em um podcast, que a tecnologia da companhia ouve conversas de usuários.
O site da MindSift também confirma que faz essa escuta por meio de tecnologia de análise de dados de voz de milhões de dispositivos.
Para Alexander Coelho, a utilização de microfones de dispositivos para monitorar conversas e direcionar publicidade toca em várias áreas delicadas da legislação de proteção de dados, privacidade do consumidor e práticas de mercado.
Segundo o especialista, no Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) regula o tratamento de dados pessoais, incluindo dados sensíveis, e estabelece que o tratamento desses conteúdos deve ser feito com o consentimento do titular, exceto em casos específicos previstos em lei.
“A interceptação de comunicações sem consentimento pode configurar uma violação da LGPD. Além disso, a Constituição Federal protege a privacidade e a inviolabilidade das comunicações, a interceptação das quais exige ordem judicial”, afirma.
Já a comercialização das informações coletadas através de escutas depende da legislação de cada país. No contexto da LGPD, por exemplo, a comercialização de dados pessoais exige o consentimento específico e destacado do titular para tais fins.
Caso a comercialização ocorra sem esse consentimento, estaria em desacordo com a lei. Nos Estados Unidos, a regulamentação pode variar dependendo do estado, mas leis como a California Consumer Privacy Act (CCPA) e a General Data Protection Regulation (GDPR) na União Europeia também impõem restrições à comercialização de dados pessoais sem consentimento, explica o especialista.
“Portanto, o tema levanta sérias questões éticas e legais. Se as empresas estão de fato utilizando essa tecnologia sem consentimento claro e informado dos usuários, estariam potencialmente violando leis de proteção de dados. Além disso, mesmo que haja consentimento, a forma como esse consentimento é obtido e a transparência sobre o uso dos dados são cruciais. Usuários devem ter controle sobre suas informações pessoais e a opção de não participar de tal coleta e uso de dados”, conclui Alexander.
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