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28 de fevereiro de 2018

Blockchain e Bitcoin – Parte I: O desafio de criar uma moeda digital

Por Augusto Marcacini

Augusto Marcacini

Este é o primeiro de uma série de textos que me propus a publicar sobre dois temas que, com mais intensidade nos últimos seis meses, aguçaram a curiosidade de muitas pessoas, além de, espantosamente, ter provocado movimentações vertiginosas no mercado. E, como consequência, trouxeram profunda perplexidade entre os profissionais das áreas jurídica, econômica e empresarial. Refiro-me ao blockchain e ao bitcoin.

Bitcoin é a moeda digital (ou talvez seja melhor chamá-la de moeda criptográfica, ou criptomoeda) que ganhou as manchetes em todo o mundo ao ter uma valorização estupefaciente ao longo do ano de 2017, alcançando um pico de aproximadamente 2.000% em relação à cotação de janeiro, antes que seu “preço” no mercado começasse a recuar. No momento em que finalizo estas linhas, após o Carnaval de 2018, o seu valor já havia caído drasticamente, ainda oscilou bastante nas últimas semanas e se encontra em torno de 40% do topo da cotação alcançada em 2017, mas ainda valendo algo em torno de 30 mil reais, o que continua a ser um assombro! Se o leitor ainda não havia ouvido falar em bitcoin, é o caso de perguntar-lhe se o clima em Saturno estava muito frio… Blockchain é possivelmente um rótulo menos conhecido. Em uma breve apresentação, é a tecnologia por trás do bitcoin, que pode ter outras aplicações mais, além de permitir a existência dessa moeda digital.

Como uma espécie de “full disclosure” que parece necessário diante de um tema que produziu uma alucinação no mercado, que muitos compararam à primeira bolha econômica das tulipas, ocorrida na Holanda do séc. XVII, antes de iniciar essa sequência de comentários julgo apropriado dizer que não tenho e não tive investimentos em bitcoin, bem como não há nenhum interesse econômico de minha parte na valorização ou desvalorização dessa moeda. Tenho, sim, no meu patrimônio, poucas unidades fracionárias da criptomoeda, que obtive há poucos anos apenas para saciar a minha curiosidade, no intuito de conhecê-la, experimentá-la, estudá-la e, quem sabe, compreendê-la. Meros tostões que, se eu tivesse vendido no pico da cotação de 2017, teriam me proporcionado um lucro suficiente para nada mais que um jantar um pouco mais extravagante. Nada significativo, portanto, que pareça suscetível de afetar o meu juízo ou tornar tendenciosas as minhas considerações sobre o tema.

Também entendo necessário, preliminarmente, esclarecer que este e os demais textos que se seguirão não se prestam a orientar investimentos dos leitores. Não sou qualificado para isso. Igualmente, não se pretende, nessas linhas sobre blockchain e bitcoin, prever o futuro dessas tecnologias. Declaro aqui, aliás, o meu mais profundo e absoluto ceticismo em relação a todos aqueles que o tentam, de astrólogos a economistas e outros cientistas sociais. Se nem as ciências da natureza conseguem apresentar cenários futuros imunes a disputas, não compreendo como profissionais das ciências humanas, área a que profissional e academicamente pertenço, falam com tanta certeza e desenvoltura sobre o que acontecerá nos próximos seis meses, às vezes até mais adiante… muito mais.

Dito isso, passemos a tratar do objeto proposto

O desafio de se tentar criar dinheiro digital não é novo. Na edição de 1996 de sua “bíblia” sobre criptografia (“Applied Cryptography”), Bruce Schneier dedicou o subtítulo de um capítulo para tratar do “digital cash” e os protocolos criptográficos até então conhecidos que poderiam implementá-lo, bem como suas dificuldades práticas e operacionais. E o título que o autor deu a esse capítulo, em que encaixou o dinheiro digital, já soa bastante sugestivo: “esoteric protocols”. Vale comentar que uma das iniciativas citadas na obra, a pioneira empresa holandesa DigiCash, foi à falência em 1998, apenas dois anos depois de publicada aquela edição.

Vendo-me iniciar esta série de textos com a afirmação de que há grandes dificuldades em implementar de um modelo funcional de moeda eletrônica, o leitor arguto pode estar começando a desconfiar de minhas palavras. Afinal, dinheiro digital parece ser a coisa mais comum do mundo! Fazemos transferências e pagamentos pelos serviços de internet banking, ou compras presenciais nos estabelecimentos comerciais, simplesmente usando o cartão de débito.

São coisas diferentes

Todas essas movimentações financeiras são somente transferências contábeis, escriturais, feitas instantaneamente por meio de sistemas informáticos. Poderiam ser igualmente realizadas de modo mais primitivo: vou pessoalmente ao banco e digo ao gerente que quero transferir dinheiro para a conta de meu credor, e o gerente anota à mão, no livro-caixa, a saída do dinheiro da minha conta e a entrada na do destinatário. Por dinheiro digital, ou na talvez mais precisa expressão inglesa, “digital cash”, refiro-me a uma representação informática de algo que se assemelhe ao papel moeda, ou a moeda metálica, essas coisas portáveis e anônimas que carregamos nos bolsos, circulam livremente sem rastro e são aceitas como meio de pagamento. Isso não se confunde, portanto, com transações escriturais. Se existe, no presente, alguma espécie de papel moeda digital, operante e funcional, confesso que desconheço. Este não é o caso, inclusive, do próprio bitcoin.

Na verdade, pode-se afirmar de um modo geral que a informática lida muito mal com um tipo especifico de “documento” (por “documento”, entendam qualquer forma de registrar uma informação, de modo que uma cédula de dólares ou reais, um arquivo PDF qualquer, uma tábua pintada ou anotações feitas em papel de pão estejam todos igualmente abarcados pelo conceito). Documentos portáveis e transferíveis em geral, que valem ou significam algo somente enquanto tenham uma existência única, não conseguem ser adequadamente transpostos para o formato digital, ao menos não com as mesmas propriedades ou funcionalidades de suas versões físicas.

Em um ramo específico do Direito, o dos títulos de crédito, estuda-se, entre as propriedades dos tais títulos, a chamada “cartularidade”. Para os que não são da área jurídica, esclareço que título de crédito é o gênero que abrange a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata e o cheque. São papéis com valor jurídico intrínseco. A cártula, isto é, a folha de papel, vale por si. Com isso, somente o original tem valor. Todos sabemos que o banco não efetuará o pagamento diante da apresentação de uma mera fotocópia da folha do cheque. O mesmo se diga de fotocópias de uma nota promissória, ou de outro desses títulos de crédito. Desse modo, quem tem a cártula em seu poder tem o direito de receber do devedor o valor nela representado, contra a apresentação do dito documento. E o devedor, cuidadoso, retoma de volta o título, quando do seu pagamento. Com essas explicações e exemplos, creio ter deixado claro o significado de cartularidade.

Embora desconheça o uso desse conceito para além do estudo jurídico dos títulos de crédito, tenho normalmente aproveitado a ideia de cartularidade para, em minhas comparações entre meios físicos e digitais, aplicá-la de um modo geral a todos os demais documentos que “valem por si”, entre eles o papel moeda e a cédula de votação (sim, eleições eletrônicas são um problema muito mais complexo do que transações bancárias escriturais). Quando a unicidade é uma propriedade essencial, tal tipo de documento não comporta perfeita transposição para o meio digital. Portanto, aquilo que por vezes é tratado como “dinheiro digital”, “cheque eletrônico” ou “duplicata eletrônica” são, na verdade, adaptações um tanto diversas de suas antigas versões em papel, ou mesmo algo completamente diferente. O que algumas instituições financeiras rotularam como “cheque eletrônico”, por exemplo, é simplesmente uma transação eletrônica remota e escritural. Não é cheque, tal como o conhecemos e se encontra previsto na legislação respectiva, isto é, uma coisa portável, transferível, a ser paga mediante apresentação daquele corpo, ou que pode ser diretamente executado judicialmente em caso de não pagamento. A transferência eletrônica é solvida de imediato, não comportando, como ocorre com o verdadeiro cheque, uma posterior execução judicial. Nem há, aliás, o que executar, pois ou a transação se completa – e há quitação imediata – ou não. Mais difícil, senão impossível, é representar digitalmente esses documentos únicos, quando também são ou precisam ser anônimos (é o caso do papel moeda e, mais uma vez e principalmente, o voto).

De fato, todo texto técnico-informático sobre dinheiro digital vai invariavelmente discutir como impedir um conhecido problema chamado “double spending”, isto é, como impedir o portador desse dinheiro de gastar duas (ou muitas mais) vezes o mesmo valor. Esse problema – que é o mesmo para todos aqueles casos em que o papel “vale por si” e por sua existência única – decorre do corriqueiro fato de que arquivos digitais são meras sequências numéricas armazenadas em alguma mídia, e é muitíssimo fácil reproduzi-las em infinitas versões perfeitamente idênticas. Se o “dinheiro digital” fosse, por exemplo, uma nota de dez reais estampada em um arquivo PDF, a moderna segurança da informação até teria meios para assegurar, ao menos, que se trata de moeda verdadeira (para isso, o arquivo poderia ser assinado digitalmente pelo Banco Central); mas não há meios de se evitar que o portador de qualquer um desses arquivos os multiplique ao infinito e tente passar adiante todas essas “cédulas” por ele reproduzidas. Do mesmo modo, não assinamos arquivos digitais como se fossem cheques, porque o seu portador poderia tentar transferi-los para diferentes terceiros sujeitos, fazendo cópias do arquivo.

Há, evidentemente, outras questões envolvidas na criação do dinheiro digital. A moeda como a conhecemos hoje é criada por governos. As moedas oficiais já são, de algum modo, digitais, sob a forma de depósitos e transferências meramente escriturais, e que podem ser movimentadas por meio eletrônico, pelo sistema financeiro nacional e internacional. Portanto, quando se propõe a criação de dinheiro digital, isso normalmente embute a provocativa ideia de produzir um meio de pagamento não-governamental, o que leva a inevitáveis perguntas: quem criaria e gerenciaria essa moeda e por que aceitaríamos isso?

Continuamos no próximo artigo.

  Leia outros artigos de Augusto Marcanini

Sobre Dr. Augusto Marcacini

  • Advogado em São Paulo desde 1988, atuante nas áreas civil e empresarial, especialmente contencioso civil, contratos e tecnologia.
  • Sócio do escritório Marcacini e Mietto Advogados desde 1992.
  • Bacharel (1987), Mestre (1993), Doutor (1999) e Livre-docente (2011) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
  • Foi professor no Mestrado em Direito da Sociedade da Informação da UniFMU entre 2011 a 2018, lecionando as disciplinas “Efetividade da Jurisdição na Sociedade da Informação” e “Informatização Processual, Provas Digitais e a Segurança da Informação”.
  • Professor de Direito Processual Civil desde 1988, em cursos de graduação e pós-graduação.
  • Vice-Presidente da Comissão de Direito Processual Civil, Membro Consultor da Comissão de Informática Jurídica e Membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da OAB-SP (triênios: 2013-2015 e 2016-2018)
  • Ex-Presidente da Comissão de Informática Jurídica e da Comissão da Sociedade Digital da OAB-SP (triênios 2004-2006, 2007-2009 e 2010-2012) e Ex-Membro da Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB (triênio 2004-2006).
  • Autor de diversos livros e artigos, destacando-se na área de direito e tecnologia: “O documento eletrônico como meio de prova” (artigo, 1998), “Direito e Informática: uma abordagem jurídica sobre a criptografia” (livro, 2002), “Direito em Bits” (coletânea de artigos em coautoria, 2004), “Processo e Tecnologia: garantias processuais, efetividade e a informatização processual” (livro, 2013) e “Direito e Tecnologia”, (livro, 2014).
  • Palestrante e conferencista.
  • Colunista e membro do conselho editorial do Crypto ID.