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Blockchain, coração da moeda virtual bitcoin, ganha novos usos

Blockchain, coração da moeda virtual bitcoin, ganha novos usos

7 de abril de 2016

Por Gustavo Brigatto

Safiri Félix, fundador da coinBR: negociações com quatro empresas, incluindo dois bancos, para adotar o sistema descentralizado de registro de transações

A moeda virtual bitcoin, que chamou muita atenção nos últimos cinco anos por não depender de governos e bancos, pode não ter causado, nem vir a causar, a revolução no sistema financeiro prevista pelos mais fãs mais ardorosos. Mas a fama momentânea do bitcoin abriu as portas para outro movimento que pode, de fato, mudar muita coisa: é a fórmula por trás da moeda virtual, um modelo conhecido como “blockchain”.

Não é fácil definir o ”blockchain”. Trata-se de um conjunto de sistemas que mostra o percurso feito pela moeda digital. Vamos supor que o internauta compre uma quantidade de bitcoins em uma “casa de câmbio” virtual e, depois, use o dinheiro para comprar um CD. Com o ”blockchain”, toda a trajetória fica registrada – a geração do bitcoin específico, sua passagem pela corretora, a compra pelo cliente e, finalmente, a chegada da moeda ao varejista. Cada registro é único e não pode ser alterado ou apagado, o que confere transparência e segurança ao modelo.

O sistema é distribuído, ou seja, cada bitcoin traz embutido o registro das transações feitas até então. O usuário não sabe qual é a identidade de quem “manuseou” aquela moeda, mas pode rastrear sua trajetória. É como se, ao receber uma nota, a pessoa obtivesse junto um mapa dos lugares pelos quais o dinheiro passou e por quantas mãos. Como não há um sistema central de armazenamento dos dados, o investimento em infraestrutura é considerado relativamente baixo.

Com essas vantagens, o ”blockchain” ultrapassou os limites do bitcoin e está ganhando novas aplicações. A alemã Slock.it desenvolveu uma fechadura digital para armazenar e gerenciar dinheiro. A ideia é permitir que as pessoas possam alugar sua casa a desconhecidos, sem intermediários. O pagamento, e a liberação da casa, é feita pela própria fechadura. O Original My, um “cartório” virtual brasileiro, está aplicando o ”blockchain” para registrar contratos. O documento é enviado ao site e recebe um certificado digital gerado com o ”blockchain”.”A legislação diz que se as partes concordam com o modelo de assinatura usada, ele tem validade jurídica”, diz Edilson Osorio Junior, fundador do Original My.

Em funcionamento há nove meses, a startup já certificou mil documentos – até madeira exportada para a Europa e desenhos de logotipos passaram pelo serviço. O processo custa entre R$ 2,50 e R$ 5por documento. Os certificados são emitidos usando a mesma rede pública montada para o bitcoin. Osorio garante que isso não representa um risco à privacidade das informações. “O que fica público é o certificado, não o documento em si”, disse. Um outro modelo, que vem sendo estudado por algumas empresas, é a criação de redes de blockchain fechadas, com participantes e propósitos específicos.

O uso do ‘blockchain” fora do bitcoin começou a ganhar força ano passado, pelas mãos do setor financeiro. Um estudo do braço de investimento em startups do banco espanhol Santander, a InnoVentures, estima que bancos ao redor do mundo podem economizar entre US$ 15 bilhões e US$ 20 bilhões por ano em infraestrutura até 2022 usando o ‘blockchain”. “Ao contrários das redes de transação atuais, os sistemas descentralizados eliminam a necessidade de autoridades centrais para verificar a propriedade e liberar as operações”, de acordo com o relatório.

Uma área que pode ser beneficiada é a transferência internacional de dinheiro. “O sistema utilizado nas transferências entre países é muito ineficiente e despadronizado. Está mais do que na hora de corrigir essas deficiências com a aplicação do blockchain”, diz Marcelo Maisonnave, ex-sócio da corretora XP, que está nos EUA estudando modelos para montar uma startup no Brasil. Ele cita como exemplo a americana Ripple, que oferece uma conexão direta entre bancos para transferência de dinheiro entre países. Entre seus investidores, a Ripple tem a InnoVentures eo CME Group, principal bolsa de futuros do mundo.

Os investimentos em “blockchain” têm crescido rapidamente. No ano passado, o banco Goldman Sachs aportou US$ 50 milhões na Circle Internet Financial, uma novata americana, para começar a estudar formas defazer transferência internacional de dinheiro. Em novembro, a Nasdaq anunciou seu primeiro produto baseado no ‘blockchain”, o Linq, um sistema de compra e venda de ações de empresas de capital fechado, que não estão listadas na bolsa. A Nasdaq também planeja usar a tecnologia em um serviço de votação digital em assembleias de acionistas.

Há duas semanas, um grupo de empreendedores brasileiros apresentou uma versão nacional do Linq, a BCStock. “Isso pode reduzir o risco de investimento em startups, por exemplo”, diz João Canhada, idealizador da  companhia e proprietário da “casa de câmbio” de bitcoins Foxbit.  Segundo ele, as primeiras  análises mostraram que não há impedimento jurídico  para  a operação da BCStock,  mas é preciso estudos mais aprofundados.

Os grandes bancos brasileiros começam a estudar o ‘blockchain”. A maior preocupação éa garantia da segurança das operações e dos dados dos clientes. Em relatório do fim do ano passado, a Intel Security, braço de segurança da fabricante de chips, alertou para o risco de interceptação e até desvio de transações sob a estrutura pública do bitcoin. Há também dúvidas sobre em que tipos de operação o ‘blockchain” pode ser usado. Como em um quebra­ cabeça, o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) é composto por diversas peças, etem seu funcionamento regulado pelo Banco Central (BC). Consultado pelo Valor, o BC disse ainda não ter sido consultado sobre o uso do ‘blockchain”.

A expectativa é que os primeiros projetos entrem em operação entre 2017 e 2018, segundo Safiri Félix, fundador e presidente da brasileira coinBR. A empresa começou suas atividades há pouco mais de um ano, como “corretora” de bitcoins. Em janeiro, lançou uma consultoria de ‘blockchain”. Segundo o executivo, há negociações em curso com quatro empresas – sendo dois bancos. A expectativa, afirma Félix, éter pelo menos um teste iniciado até o fim do ano. “Ninguém quer ficar para trás.”

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