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Autoria da petição eletrônica no STJ: o equívoco que persiste

31 de julho de 2013
Fabiano Menke
Em maio de 2012, o procurador-Chefe do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, dr. André Pinto Garcia, publicou artigo1 manifestando preocupação com precedentes do Superior Tribunal de Justiça, relativos à transmissão de petições pelo meio eletrônico no âmbito do próprio STJ, que consideravam inexistente a peça processual quando não verificada a identidade entre o titular do certificado digital utilizado para assinar a peça processual e o nome do advogado indicado como autor da petição2.
Na prática, estava ocorrendo, e ainda ocorre, a seguinte situação: determinado advogado redige a petição, e, ao seu final, apõe o seu nome mediante mera digitação ou assinatura manuscrita e posterior digitalização do documento físico. Posteriormente, outro advogado, colega de escritório do primeiro, por exemplo, acessa o sistema do STJ e, mediante a utilização de certificado digital emitido em seu nome (do segundo advogado) assina digitalmente e transmite a petição eletrônica. Como resultado, a petição aporta ao Superior Tribunal de Justiça com a indicação do nome de um advogado no arquivo eletrônico da petição e com a aposição de assinatura digital de outro advogado. A questão central não passa pela inexistência de poderes de um dos advogados, pois, nos precedentes de que se cuida, a representação processual da parte é regular, constando ambos advogados na procuração ou substabelecimento.
No desdobramento da questão perante o STJ, ainda no final de maio de 2012, a 3ª turma, após voto-vista do ministro Paulo de Tarso Sanseverino nos autos do REsp 1.208.207, admitiu peça recursal que fora assinada fisicamente por um advogado e digitalmente por outro3. Posteriormente, a Quarta Turma seguiu este entendimento em análise de questão de ordem apresentada pelo ministro Luis Felipe Salomão, não vinculada a processo específico, assentando que no âmbito daquele órgão fracionário seria aceita petição assinada digitalmente por um advogado e fisicamente por outro, desde que ambos tivessem procuração nos autos4.
Quando se esperava que as 3ª e 4ª turmas tivessem corrigido o rumo do STJ no que diz respeito à valoração das petições eletrônicas assinadas fisicamente por um advogado e digitalmente por outro, verificou-se, surpreendentemente, a retomada de decisões que fulminaram recursos assim manejados. Com efeito, em 20/11/12, a 5ª turma5, em 6/12/12, no âmbito da 3ª turma6, em 18/12/12, na 6ª turma7, e em 16/5/13, novamente em julgamento da 3ª turma8 foram rejeitados pleitos recursais de partes que interpuseram recurso com “diversidade de assinaturas”.
Registre-se, por oportuno, que há precedente isolado de 17/2/13, de relatoria do ministro Herman Benjamin9, que acertadamente decidiu que “a identificação de quem peticiona nos autos é a proveniente do certificado digital, independentemente da assinatura física que aparece na visualização do arquivo eletrônico”.
Os julgados que consideraram inexistentes os recursos aviados com indicação do nome de um advogado na peça, mas transmitido e assinado digitalmente por outro advogado, incidem em equívoco de interpretação da lei 11.419/06 (lei do processo eletrônico). Os dispositivos essenciais nesta questão são os seguintes:
“Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.
(…)
§ 2º Para o disposto nesta Lei, considera-se:
III – assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:
a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica;
b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.
Art. 2º O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica na forma do art. 1º desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.”
Como se vê da leitura destes dispositivos, a utilização do meio eletrônico para a transmissão de peças processuais é permitida (art. 1º, caput), desde que seja utilizada assinatura eletrônica (art. 2º, caput) conforme estabelecido no art. 1º. Para o art. 1º, § 2º, III, assinatura eletrônica é a assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada (alínea a) ou o cadastro do usuário no Poder Judiciário (alínea b), que é implementado, na prática, pela atribuição de senhas ao advogado mediante o seu comparecimento presencial10.
O STJ, valendo-se do disposto no art. 18 da lei do processo eletrônico11, regulamentou o peticionamento eletrônico optando pela espécie de assinatura eletrônica prevista no art. 1º, § 2º, III, “a” da referida lei12. Ou seja, para a transmissão de atos processuais pelo meio eletrônico, no âmbito daquele tribunal, só é permitida a utilização de assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada na ICP-Brasil13.
Assim, para que reste preenchido o requisito relativo à comprovação de autoria da petição eletrônica, no âmbito do STJ, basta a utilização da assinatura digital nos moldes da ICP-Brasil. E é justamente nesse ponto onde se encontra o equívoco dos precedentes que rejeitaram petições eletrônicas por conterem a indicação do nome de um advogado e a assinatura digital de outro.
É que a indicação do nome de advogado no final da peça, seja pela mera digitação, seja pela digitalização de assinatura (imagem da assinatura física “colada” ao documento eletrônico), não é assinatura eletrônica consoante dispõe a lei do processo eletrônico, por não se enquadrar nem na alínea “a”, nem na alínea “b” de seu art. 1º, § 2º, III. Portanto, o que ocorre nas hipóteses julgadas pelo STJ é a presença de duas assinaturas nas petições eletrônicas: uma assinatura inexistente, por não atender aos requisitos da lei do processo eletrônico; e uma assinatura eletrônica plenamente de acordo com os requisitos legais, por atender ao disposto no art. 1º, § 2º, III, da lei do processo eletrônico.
Caso se cogitasse traçar paralelo com o mundo do papel, poderia se pensar nas petições que no seu fecho contém a indicação do nome de dois ou mais advogados, mas apenas um deles assina a peça processual. E, como se sabe, a presença de apenas uma assinatura é suficiente para que o Poder Judiciário considere a petição como existente.
Há que se rejeitar, da mesma forma, o fundamento utilizado em alguns dos precedentes do STJ, no sentido de que a prática das assinaturas diferentes violaria o elemento do suporte fático “identificação inequívoca do signatário”, presente no art. 1º, § 2º, III da lei do processo eletrônico, pois esta expressão contida na regra diz respeito à conceituação de assinatura eletrônica para os efeitos que dispõe. Trata-se, na verdade, de qualificativo das modalidades de assinatura eletrônica contidas nas alíneas “a” e “b” do inciso III. Assim, o que se tem é que o elemento do suporte fático “identificação inequívoca do signatário” adjetiva tanto a assinatura digital baseada em certificado digital quanto o cadastro do usuário, tendo-os como identificação inequívoca. Em outras palavras, qualquer uma delas, para os efeitos da lei, é considerada identificação do usuário.
Conclui-se, portanto, que o STJ deverá atentar para este equívoco que vem sendo sistematicamente cometido, corrigindo-o, sob pena de persistir a referida violação da lei do processo eletrônico, praticada justamente pelo tribunal que tem como uma de suas atribuições constitucionais julgar recursos que contrariem ou neguem vigência à lei Federal. Seria de todo recomendável que o STJ editasse ato normativo interno para a finalidade de esclarecer aos seus julgadores que basta a utilização de assinatura digital para transmitir a petição pelo meio eletrônico, não importando se ao final do texto da peça processual for digitado o nome ou aposta a assinatura digitalizada (imagem da assinatura) de advogado diverso daquele identificado no certificado digital.
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2 Mencionados foram os seguintes julgados: EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1.386081/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.12.4.2012, DJe 25.4.2012; AgRg no REsp 1.164423/MG, Terceira Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 26.4.2011, DJe 11.5.2011; AgRg no REsp 1.107598/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 14.9.2010, DJe 06.10.2010.
3 REsp 1.208207/RN, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 27.03.2012, DJe 17.12.2012
4 http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106108
5 AgRg no AREsp 241.829/BA, Rel. Min. Marilza Maynard, j. 20.11.2012, DJe 26.11.2012.
6 AgRg no AREsp 21.761/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 27.11.2012, DJe 06.12.2012.
7 EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 599499/SP, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira, j. 18.12.2012, DJe 08.02.2013.
8 AgRg no AREsp 103.222/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 16.5.2013, DJe 23.05.2013.
9 EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1.372.793/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 07.2.2013, DJe 08.03.2013.
10 Ver, por exemplo, o regramento do processo eletrônico no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, art. 9º da Resolução nº 17, de 26 de março de 2010.
11 Que determina: “Art. 18. Os órgãos do Poder Judiciário regulamentarão esta Lei, no que couber, no âmbito de suas respectivas competências.”
12 Assim dispõe a Resolução nº 01, de 01.02.2010, do Presidente do Superior Tribunal de Justiça: “Art. 18. As petições encaminhadas por meio digital ao Superior Tribunal de Justiça serão validadas na Secretaria Judiciária. § 1º O acesso ao serviço de recebimento de petições depende da utilização pelo credenciado da sua identidade digital, a ser adquirida perante a ICP – Brasil”.
13 Para uma introdução aos conceitos de assinatura digital e certificado digital, bem como ao substrato técnico-organizacional que embasa a ICP-Brasil, ver, Menke, Fabiano, Assinatura Eletrônica no Direito Brasileiro, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2005 e em perspectiva comparada com o direito alemão, ver, Menke, Fabiano, Die elektronische Signatur im deutschen und brasilianischen Recht: Eine rechtsvergleichende Studie, Nomos: Baden-Baden, 2009.
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* Fabiano Menke é professor da Faculdade de Direito da UFRGS
Fonte: Migalhas
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