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Artigo publicado no Conjur comenta o provimento 94 do CNJ sobre o funcionamento dos cartórios

5 de abril de 2020

O que o Provimento 94 do CNJ muda nos registros de imóveis

Por Bernardo Chezz

Bernardo Chezz

Foi publicado no último dia 22 de março o Provimento 94 do CNJ, que trata de várias regras para os cartórios de imóveis durante o período da pandemia causada pela Covid-19.

Se o objetivo era regular o serviço mínimo e essencial dos registros de imóveis à população, o provimento vai além, desburocratizando o registro imobiliário e implementando mudanças que talvez já fossem anseio de toda e qualquer sociedade inteligente, em tempos de conectividade, interatividade e compartilhamento de funções, espaços, bens, valores e ideias.

Confira aqui o que mudou

Prazos não suspensos

Indo de encontro do que o Provimento 91 tinha sugerido, e muitas normas das Corregedorias locais tinham disposto, o serviço registral não poderá ser parado durante a pandemia.

Os Cartórios não deixarão de praticar atos, nem estarão com prazos suspensos.

O artigo 11 determina que os prazos de qualificação (de análise do título, quando protocolado) e prática do registro deverão ser contados em dobro, com exceção da emissão de certidões e contratos de financiamento.

Para as certidões e os contratos de financiamento (inclusive os de aquisição de unidade imobiliária com força de escritura pública), os prazos de análise e registro são os normais.

Certidões de matrículas em 2 horas

As certidões de matrículas requisitadas através do SREI (Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis), que está funcionando para todo Brasil no site www.registrodeimoveis.org.br, deverão ser disponibilizadas ao solicitante em até duas horas após a confirmação do pagamento do emolumento (a taxa cartorária).

Trata-se de uma inovação importante para o mercado imobiliário para a prática de atos subsequentes que dependem da certidão do imóvel.

É certo que após a Covid-19, essa desburocratização vai gerar um destravamento nos prazos dos ciclos de produção imobiliária e habitacional, pois em todos momentos do desenvolvimento imobiliário são necessárias certidões das matrículas imobiliárias atualizadas (exemplo, verificação da situação do imóvel para comercialização, incorporação, financiamento de obra, liberação de recursos, etc), como também para o cidadão comum que precisa de agilidade para a prática do ato ordinário, como a escritura de compra e venda que precisa de uma certidão ativa.

Em diversos estados, inclusive na Bahia, essa certidão emitida online em www.registrodeimoveis.org.br pode ser impressa e sua “cópia simples” produz todos os efeitos de direito.

Isso é, o tabelião nem precisa imprimir essa certidão para que seja possível a lavratura de ato constitutivo, modificativo ou extintivo de direitos reais sobre o imóvel (a exemplo da escritura de compra e venda, dação em pagamento, doação, etc).

Protocolos via internet

As leis federais já tinham preparado o arcabouço normativo para títulos serem enviados e registrados a partir da internet: primeiro a lei federal 11.977/2009, depois a 13.465/2017 e a 13.874/2019 (a polêmica lei de liberdade econômica) foi no mesmo sentido; o provimento 47/2015 do CNJ criou diretrizes para as centrais eletrônicas estaduais (cujo trabalho de padronização e nacionalização segue com o Provimento 89) e os protocolos se tornaram possíveis, inicialmente, com essas leis, e agora, efetivamente, com o Provimento 94 do CNJ, publicado em meio à pandemia.

O artigo 4º do Provimento diz como os documentos digitais ou digitalizados podem ser enviados para o Cartório de Imóveis.

Artigo 4º. Durante a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), contemplada no caput, todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados, e processá-los para os fins do art. 182 e ss da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

§ 1º. Considera-se um título nativamente digital:

I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários e testemunhas:

II – a certidão ou traslado notarial gerado eletronicamente em PDF/A ou XML e assinado por tabelião de notas, seu substituto ou preposto;

III – o resumo de instrumento particular com força de escritura pública, celebrado por agentes financeiros autorizados a funcionar no âmbito do SFH/SFI, pelo Banco Central do Brasil, referido no art. 61, “caput” e parágrafo 4º da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1.964, assinado pelo representante legal do agente financeiro

IV – as cédulas de crédito emitidas sob a forma escritural, na forma da lei;

V – o documento desmaterializado por qualquer notário ou registrador, gerado em PDF/A e assinado por ele, seus substitutos ou prepostos com Certificado Digital ICP-Brasil.

VI – as cartas de sentença das decisões judiciais, dentre as quais, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e de arrematação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, mediante acesso direto do oficial do Registro de Imóveis ao processo judicial eletrônico, mediante requerimento do interessado.

§ 2º. Consideram-se títulos digitalizados com padrões técnicos aqueles que forem digitalizados de conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 5º do Decreto nº 10.278, de 18 de março de 2020.

Em resumo, o que o Provimento fez foi materializar o seguinte: atos praticados fisicamente deverão ser aceitos com validade pela internet, e atos que seriam somente físicos já podem nascer com uma versão digital para ser enviada direto ao registrador para o registro.

Exemplo contundente disso é o contrato particular com força de escritura pública emitido pelas instituições financeiras (“IFs”), que constituem alienação fiduciária sobre o imóvel e celebram a compra e venda do imóvel entre a empresa e o adquirente.

Agora, o próprio gerente da instituição financeira, com seu certificado digital (o mesmo que ele possui do seu CPF na Receita Federal) poderá, quando as partes assinem a via física do contrato, enviar o título pelo e-protocolo ou e-mail (falaremos mais do envio abaixo) para o registrador de imóveis.

Nada de despachante ou papel nesse caso.

As escrituras que sejam lavradas pelo tabelião também poderão ser enviadas eletronicamente direto ao Registro de Imóveis. Sai do Tabelionato e vai para o Registro por meio de dados instantâneos.

Esses casos do artigo 4º §1º são dos documentos dito “nato-digitais”. O Provimento também autoriza, na forma do decreto federal 10.278/2020, editado nesse mês, também durante a pandemia (mas que vale pra vida toda), que documentos particulares que nasceram impressos, em papel, tenham efeitos digitais (e possam ser recebidos pela internet como se originalmente digitais fossem), desde que digitalizados pelos critérios do decreto. E são simples. Aquele que o digitalizar, poderá enviar o documento ao registrador, também, por e-mail e e-protocolo, com seu certificado digital, assinando o documento digitalmente (e se responsabilizando pelo seu teor e verossimilhança).

Entendeu? Sim, ficou muito mais simples de fato, sem necessidade de contato físico, o envio eletrônico de qualquer documento que possa ser assinado pelo apresentante com seu certificado digital.

Isso possibilita que hoje qualquer título ou documento que tenha de ingressar no Registro de Imóveis possa ser enviado pela internet e tenha todos os seus efeitos legais previstos. Sem balcão, sem fila, sem senha e papeis.

Como infelizmente estamos em um país com muitas fraudes, o Provimento, com sabedoria, possibilita, em seu artigo 9º, que, caso o registrador suspeite de fraude no documento, solicite a apresentação da sua física, notadamente para essas circunstâncias dos documentos impressos que foram digitalizados por alguém (artigo 4º, §2º).

O que é o e-protocolo

O provimento direciona o envio desses títulos e documentos (nato-digitais ou digitalizados com assinatura do certificado digital do apresentante) para o e-protocolo, um sistema operado nesse site www.registrodeimoveis.org.br em que a maior parte dos registros imobiliários já está cadastrado (todos devem estar!).

O usuário fará um cadastro e subirá o arquivo na plataforma, escolhendo o Cartório imobiliário de destino.

Os tabeliães e gerentes de IFs que ainda não estejam cadastrados no e-protocolo também devem fazê-lo.

Envio por e-mail

O provimento não trata abertamente do envio por e-mail de uma escritura, contrato ou outro título fora da central eletrônica. Mas é a realidade de diversos Cartórios desde que a Covid-19 ganhou espaço no Brasil.

Essa facilitação acontece porque (a) o Cartório não tem cadastro ainda no e-protocolo e/ou (b) parte da população não tem certificado digital ou não está familiarizada com as regras do SREI.

Pois bem, esse problema (b) será resolvido com a vigência do Provimento 94 para novas escrituras e contratos particulares com força de escritura pública em que o tabelião e a entidade financeira já produzirão sob a forma de documento nato-digital, como explicamos. Mas para os antigos títulos, que só existem impressos, e que não possam ser autenticados pelo certificado digital de alguém (não se encontrou alguém com o certificado que pudesse ou quisesse assinar), haveria essa opção do Registro de Imóveis específico disponibilizar um e-mail para recebimento dos documentos digitalizados sem o rigor do Decreto 10.278/2020, artigo 5º.

Nesse caso, pode-se aplicar o previsto, analogicamente, do artigo 10 e 9 do Provimento, da seguinte forma:

A recepção por e-mail do documento com o emolumento da prenotação pago;
A análise do documento pelo cartório;
A análise positiva resultará no envio ao cliente dos emolumentos;
O cliente deverá enviar os emolumentos pagos (complementares);
O cartório pedirá as vias físicas do documento como etapa final do procedimento;

O cartório fará o registro.

Observe que a apresentação do documento físico poderá ser feita após o Cartório qualificar o título e as eventuais notas devolutivas serem sanadas.

O CNJ acabou regulando questão de cobrança de emolumentos cuja alçada de regulação é dos Estados, o que pode trazer algum conflito com normas estaduais.

Esse envio por e-mail tenderá a cair em desuso na medida em que as Corregedorias locais poderão impor restrições aos registradores que não estejam operando pelo e-protocolo, que é o sistema oficial do SREI.

Todavia, trouxe essa possibilidade nesse artigo porque ainda é realidade de boa parte dos registros imobiliários nesse momento no país. É possível também que o registrador decida adotar alguma peculiaridade diversa do que aqui consolidado.

Funcionamento dos Cartórios

O artigo 1º do Provimento 94 reforma parcialmente o Provimento 91 porque, agora, diz que os cartórios que estejam com dificuldade ou restrição de atendimento presencial por conta de políticas sanitárias das autoridades locais e o registrador não poderá suspender o funcionamento da serventia, que deverá ter atendimento ao público prioritariamente por meios disponíveis na internet e telefone.

Aqui uma outra inovação: se o cartório não dispor desses recursos, mesmo com as proibições sanitárias, ele estará obrigado a atender ao público presencialmente pelo menos duas horas ao dia (e, se for possível o atendimento virtual, plantão de no mínimo quatro horas por dia).

O fato é que o Provimento 94 deixa claro que os cartórios, mesmo que não atendam ao público presencialmente, não devem parar; seus prazos continuarão contando (mesmo que em dobro) e o uso do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis é mandatório para viabilizar as certidões e protocolos.

Vale anotar também que os Cartórios deverão disponibilizar meios para também receber documentos físicos (artigo 1º §4º). Esse recurso será importante para os Ofícios prediais que estejam aceitando vias não certificadas por e-mail, em que poderão agendar a entrega do documento físico para o registro ou viabilizar outros meios de recebimento, como também para os casos de suspeita de fraude (artigo 9º).

A contrario senso, o CNJ não criou restrições ao funcionamento dos Cartórios de Imóveis em que as localidades não tenham imposto restrições ao seu funcionamento. Isso será regulado essencialmente pelas Corregedorias locais, que sempre terão de observar as diretrizes estabelecidas pelo CNJ para que o serviço não pare e que todo registro imobiliário esteja acessível à população.

Conclusão

As inovações trazidas pelo Provimento 94 para os Registros de Imóveis durante a pandemia são excepcionalmente positivas, fazendo-se jus à expectativa de que essas conquistas sociais concernentes ao protocolo eletrônico e das certidões online pemaneçam, primeiro porque se baseiam em leis e normas que independem do covid-19, segundo porque a maioria desses mecanismos já existiam antes do Provimento 94 (o que o CNJ fez foi obrigar a sua observância, cumprimento e dar algumas peculiaridades diante da crise), e terceiro porque a população precisa de um registro imobiliário mais próximo das pessoas.

Não à toa, de fato, de se assinar que são em momentos difíceis que a sociedade cresce.

Bernardo Chezzi é advogado, mestre em direito público na FGV-SP, sócio do Chezzi Advogados, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, assessor jurídico da Associação de Registradores de Imóveis da Bahia, presidente do Conselho Jurídico do Sinduscon-BA, membro do Conselho Jurídico da CBIC, associado e membro do Conselho da Associação para Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (ADIT).

*grifos do portal Crypto ID

Fonte: CONJUR

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