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A liberdade relativa do tabelião de notas para lavrar uma escritura pública eletrônica

A liberdade relativa do tabelião de notas para lavrar uma escritura pública eletrônica

28 de maio de 2020

Em tempos de software livre, e de clamor por liberdades individuais, notários brasileiros estão enfrentando problemas no tocante a escolha de programas de computador que se destinam a realização e lavratura de atos notariais eletrônicos.

Por Ayrton Bernardes Carvalho Filho – Consultor de Inovação

Ayrton Bernardes Carvalho Filho

Vários são os motivos, mas talvez os principais, sejam as regras que surgem dia após dia, e de certa forma impostas por provimentos oriundos de órgãos de fiscalização ou CORREIÇÃO.

Por melhor que sejam as intenções desses órgãos, me refiro aqui ao Conselho Nacional de Justiça e as Corregedorias Gerais da Justiça de cada um dos Estados da Federação, a liberdade de escolha da ferramenta tecnológica para aposição da fé pública, em especial dos tabeliães de notas, está sendo tolhida, como alguns ex-colegas me comentaram.

No início do mês de maio precisei outorgar uma procuração eletrônica e acabei solicitando sua lavratura no 2º Tabelionato de Notas de Porto Alegre. Tive a oportunidade então, de utilizar uma novíssima ferramenta desenvolvida dentro dos padrões de certificação digital ICP-Brasil.

Eu, agora, como usuário de serviços notariais, e não mais como ex-tabelião substituto que fui durante 30 anos, tive a liberdade para escolher a ferramenta para assinar o referido ato notarial. Aliás, conheço e utilizo mais de uma dezena de softwares para assinar documentos eletrônicos e posso classificar a ferramenta que utilizei, como segura e funcional.

Começo agora minha reflexão com alguns questionamentos.

No passado existiam regras ou provimentos, para impor ao tabelião, o tipo ou marca da máquina de escrever que ele deveria utilizar para lavrar escrituras públicas?

No Século XVI, Dom Manuel I impôs ao escrivão Pero Vaz de Caminha, qual tipo de pena ou tinta ele deveria levar para relatar sua viagem que resultaria na descoberta do Brasil?

O que estou sentindo meus caros leitores, posso talvez até estar errado, é que aos poucos a liberdade do tabelião de notas está sendo tolhida, e sua fé pública, que no passado valia muito, no futuro talvez não valha mais nada.

No ano de 2001, há 19 anos, a Medida Provisória 2.200-2 deu liberdade para qualquer cidadão brasileiro utilizar uma “caneta digital”, que hoje é popularmente conhecida como Certificado Digital ICP-Brasil.

Desde então, quando ainda detentor da fé pública, acrescentei no meu porta canetas mais essa ferramenta de trabalho, junto na época, com minha Bic esferográfica e com uma antiga caneta-tinteiro Montblanc. Escolhi a “caneta digital ICP-Brasil” por julgá-la a mais segura de todas.

Alguns notários me perguntavam se poderíamos utilizar o certificado digital para assinar atos eletrônicos. Eu respondia que sim, dizendo-lhes que “a lei (MP-2.200) é para todos”.

Outros notários me perguntavam se não precisaríamos de autorização da Corregedoria Geral da Justiça do Rio Grande do Sul para praticar atos notariais eletrônicos. Eu respondia que não, pois o artigo 41 da Lei Federal 8935/94 nos amparava: Incumbe aos notários e aos oficiais de registro praticar, independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à organização e execução dos serviços, podendo, ainda, adotar sistemas de computação, microfilmagem, disco ótico e outros meios de reprodução.

Tenho saudades de um dos notários mais sábios que conheci, o Dr. Eduardo Antpak, meu antigo Presidente no Colégio Notarial do Rio Grande do Sul, que certa vez me deu ouvidos quando sugeri, para que fosse disposto na Consolidação Normativa Notarial e Registral-RS da época, um pequeno artigo, que ainda permanece na Consolidação Normativa atual, mas renumerado.

Qual seja ele, o artigo 957: O ato notarial assinado é valido e goza de fé pública derivada de lei, independentemente de selo, carimbo ou tipo de ferramenta mecânica ou eletrônica utilizada para sua lavratura.

Um pequeno artigo que ficou esquecido e agora foi suplantado pela publicação do Provimento n° 100 do Conselho Nacional de Justiça, na data de ontem.

O que eu tenho a dizer para finalizar meus caros, é que no passado, o tipo de ferramenta utilizada para aposição da fé pública não era imposto por leis ou por provimentos.

Não sei como reagirão os tabeliães de notas brasileiros diante das novas regras impostas pelo CNJ que, como já falei acima, pode ter a melhor das intenções, mas pode também, engessar mais ainda a atividade notarial.

Talvez estejamos a viver em tempos apocalípticos, como disse certa vez o saudoso Ministro da Justiça Paulo Brossar, mas, Jean Jacque Russeau, iluminista falecido um ano antes da Revolução Francesa também dizia, “Povos livres, lembrai-vos desta máxima: A liberdade pode ser conquistada, mas nunca recuperada.”

Porto Alegre, 27 de maio de 2020.

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