Apresentando-se, sempre, ao mundo, como um paladino da defesa da liberdade e da democracia, os EUA acabam de pedir à comunidade científica o fim da criptografia, processo que permite aos usuários de computador defender seus dados de hackers e mantê-los a salvo de estados abusivos e autoritários, que espionam seus cidadãos e os alheios, como o é o caso dos próprios Estados Unidos.
Por MAURO SANTAYANNA*
Os EUA alegam ser necessário eliminar a criptografia para se defender de “terroristas” e criminosos. A questão é saber quem, no futuro, irá determinar quem é “terrorista” e quem é um combatente
Na última conferência RSA, voltada para sistemas de segurança cibernética, encerrada há poucos dias, o Secretário para a Segurança Interna dos EUA, Jen Johnson, fez um apelo aos técnicos e cientistas participantes, no sentido de desenvolver uma forma definitiva de “contornar e desabilitar a criptografia” como forma de aumentar o poder dos órgãos de segurança.
O caminho mais fácil para que isso venha a ocorrer já está delineado. O rápido avanço da computação quântica, possibilitará o surgimento de um novo tipo de computador, contra o qual a maioria dos softwares criptográficos não teriam a menor defesa.
Há, no entanto, países e organizações que, antevendo a ameaça que esse tipo de máquina poderia acarretar contra a liberdade individual, se organizam para incentivar o desenvolvimento de novos tipos de criptografia capazes de proteger dados no futuro universo da computação quântica, antes mesmo que os computadores quânticos estejam desenvolvidos.
Ressabiada pela espionagem executada contra alguns de seus dirigentes, como a Chanceler Ângela Merkel, a União Europeia não parece estar disposta a aceitar de braços cruzados a consolidação de um imenso Big Brother planetário, por parte do governo norte-americano, não nos moldes do reality show imbecil homônimo, mas da ditadura descrita no profético romance 1984, de George Orwell, que lhe emprestou o nome.
A Comissão Europeia acaba de liberar milhões de euros para que cientistas desenvolvam sistemas criptográficos imunes a computadores quânticos, no que já está sendo chamado de criptografia “pós-quântica”. Qualquer dado que tenha de ser protegido em um horizonte de mais de dez anos, já teria de ser guardado por esse sistema, já que esse é o tempo previsto para entrada em funcionamento, nas mãos dos governos mais avançados, da computação quântica.
O Brasil, cujo governo também foi vítima da espionagem norte-americana, deveria se juntar a esse esforço, em colaboração com a UE, ou financiando pesquisas semelhantes dentro de universidades como a USP.
Os EUA alegam ser necessário eliminar a criptografia para se defender de “terroristas” e criminosos.
A questão é saber quem, no futuro, irá determinar quem é “terrorista” e quem é um combatente lutando, eventualmente, contra estados fascistas com tecnologia de localização pessoal, reconhecimento facial, dados biométricos, espionagem de massa de telecomunicações e de internet.
Em nome da Liberdade, essa prerrogativa não deve ser do Sistema, mas, primordialmente, do indivíduo.