Prof. JOÃO HUMBERTO CESÁRIO
Sem a pretensão de exaurimos o assunto, enfrentaremos uma última polêmica em torno da inexorável relação existente entre as páginas eletrônicas e as provas judiciais. É aquela que diz respeito à possibilidade, ou não, de o juiz, espontaneamente, investigar fatos na internet, para, ao depois, usar as conclusões extraídas dessa atividade investigativa nas suas decisões.
Quando pensamos no velho processo liberal, no qual o juiz era visto como um sujeito neutro e, portanto, eticamente indiferente, tal possibilidade haveria de ser repelida de plano. O fato, porém, é que vivemos a quadra histórica de um Estado Democrático de Direito, na qual a relação processual está indiscutivelmente inserida no plano do interesse público.
Contemporaneamente, de tal arte, não existe margem ética para se impedir o Estado-juiz de subministrar a jurisdição no interesse de toda a sociedade e não apenas dos litigantes. Logo, não podemos de modo algum negar ao magistrado a iniciativa probatória, sob pena de retornarmos ao processo imanentista, que tratava a relação processual como negócio privado entre os contendores.
Tudo isso se reforça quando nos situamos no terreno processual trabalhista, que – como visto na introdução à presente obra – sem negar a perspectiva cooperativa, rechaça o adversarialismo e homenageia a inquisitividade. Não é por outra razão, aliás, que o artigo 765 da CLT é forte ao estabelecer que o Juiz do Trabalho tem ampla liberdade na direção do processo, devendo velar pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária aos esclarecimento delas.
Sustentados nos baldrames de tais argumentos, não são raras atualmente as situações em que magistrados trabalhistas investigam elementos probatórios na internet, para prolatarem com maior probabilidade de acerto as suas decisões. Podemos indicar, como exemplo do afirmado, o recente caso em que o conhecido juiz baiano Rodolfo Pamplona, com base em informações constantes do twitter da cantora Ivete Sangalo, alinhou os seus fundamentos para resolver um processo sobre acidente de trabalho.
Na situação em questão, a reclamada alegava que embora a reclamante tivesse se acidentado enquanto dirigia um carro da empresa, tal fato não caracterizava acidente de trabalho, na medida em que a autora não estava trabalhando, mas apensa usando o automóvel para se dirigir a um show da mencionada cantora.
Visitando o twitter da artista, o juiz Pamplona concluiu, entretanto, que o show ocorrera em horário absolutamente incompatível com o do acidente, razão pela qual a versão empresarial não era digna de credibilidade.
Vê-se, assim, que tal iniciativa pode ser muito eficiente para o desate de imbróglios semelhantes. A respaldar a possibilidade, reproduzimos a ementa de preciosíssimo acórdão da relatoria do Desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior (TRT da 3ª Região), conhecido como uma das maiores autoridades brasileiras no campo do processo eletrônico:
PRINCÍPIO DA CONEXÃO – OS AUTOS ESTÃO NO MUNDO VIRTUAL
Na atual era da informação em rede, na qual o “poder dos fluxos (da rede) é mais importante que os fluxos do poder” (CASTELLS), já não pode mais vigorar o princípio da escritura, que separa os autos do mundo.
A Internet funda uma nova principiologia processual, regida pelo novo princípio da conexão. O chamado princípio da escritura – quod non est in actis non est in mundo – encerrou no Código Canônico a fase da oralidade em voga desde o processo romano e até no processo germânico medieval.
Com advento das novas tecnologias de comunicação e informação e as possibilidades ampliadas de conectividade por elas proporcionadas, rompe-se, finalmente, com a separação rígida entre o mundo do processo e o das relações sociais, porquanto o link permite a aproximação entre os autos e a verdade (real e virtual) contida na rede.
O princípio da conexão torna naturalmente, por outro lado, o processo mais inquisitivo. A virtualidade da conexão altera profundamente os limites da busca da prova. As denominadas TICS passam, portanto, a ter profunda inflexão sobre a principiologia da ciência processual e redesenham a teoria geral tradicional do processo, a partir desse novo primado da conexão”. (TRT 3ª R. – RO1653-2011-014-03-00-3, Ac. 1ª T – Rel. Des. José Eduardo de Resende Chaves Júnior – Publicado em 29/06/2012)
Uma ressalva, contudo, merece ser feita quanto ao tema.
É mais do que recomendável, naturalmente, que antes de decidir o juiz exponha o resultado da sua pesquisa ao crivo do contraditório, de modo a que os litigantes teçam as suas considerações, inclusive com possibilidade de impugnarem a prova desse modo colhida, evitando, com isso, as chamadas ‘decisões-surpresa’. Não é por outro motivo que o artigo 10 do CPC/2015 dispõe, com tintas fortes, que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar”.
Espero que os textos sejam úteis àqueles que estão na árdua caminhada para o concurso de Juiz e Procurador do Trabalho.
Estudo e determinação, até a vitória, sempre!!
Juiz do Trabalho. Mestre em Direito Agroambiental. Coordenador da Pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso. Professor de Teoria Geral do Processo, Direito Processual do Trabalho e Direito Ambiental do Trabalho. Membro do Comitê Executivo do Fórum de Assuntos Fundiários do Conselho Nacional de Justiça. prof.jhcesario@gmail.com.br
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