Até onde o escândalo envolvendo o Facebook afeta o modelo data-driven? Por Cristina De Luca
25 de março de 2018Por Cristina De Luca | Blog Porta 23
São Paulo recebeu na última quarta-feira, 21/3, o Think 2018 with Google, evento que reuniu líderes de negócios, marketing e comunicação de empresas brasileiras para ouvir os planos da gigante para o ano.
A certa altura de sua fala sobre transformação data-driven, Fábio Coelho, presidente do Google Brasil, fez menção ao cenário duvidoso no qual o uso intensivo de dados para direcionar o planejamento, a tomada de decisão, as estratégias de venda e comunicação, mergulhou, após o escândalo envolvendo o Facebook e a Cambridge Analytica.
O objetivo do modelo data-driven é entregar respostas mais precisas e confiáveis por meio de dados. Na prática, esse método reduz achismos, fazendo com que as escolhas da organização sejam mais efetivas por serem baseadas em fatos confiáveis. E, cada vez mais, vem combinando a análise dos chamados first-party data, de propriedade das empresas (números sobre a venda de produtos, sobre as formas de pagamento usadas, os horários de pico nas lojas, etc), com os second e third-party data, gerados por provedores de dados que têm uma enorme amplitude de informações sobre os consumidores , incluindo informações sobre seu comportamento e hábitos de navegação na internet, por exemplo.
Hoje geramos dados a todo instante e em praticamente todas as nossas ações do dia a dia: quando fazemos compras nos supermercados, quando postamos no Facebook, quando usamos nosso smartphone, quando ativamos o GPS no carro e assim por diante. E tudo isso é registrado, refinado e transformado em inteligência de negócio.
Claramente dados têm muito valor, como bem vimos no uso feito pela Cambridge Analytca. O problema é que ainda não conseguimos avaliar este valor corretamente, nem como pessoas físicas, nem como pessoas jurídicas.
Dados são hoje a matéria-prima para a geração de influência e riqueza. “Mas ainda são uma riqueza pouco explorada, que sequer está sendo considerada na análise de valor das empresas. Não vai demorar muito, o valor da massa de dados de propriedade de cada empresa vai fazer parte do balanço, assim como hoje o goodwill de marca faz”, comentou Coelho.
“Extrair valor dos dados, usando tecnologia e colocando o consumidor no centro da jornada, é algo que cria valor para as empresas. Não por acaso, ser uma empresa data-driven é uma característica fundamental da empresas mais valiosas do mundo, hoje”, completou o executivo.
O modelo data-driven pode ajudar nos mais variados desafios de negócio. Entre eles, segundo o Google:
- melhorar a experiência do cosumidor;
- personalizar o desenvolvimento de novos produtos e serviços;
- personalizarde anúncios de modo a diminuir a dispersão e aumentar a precisão;
- reduzir o churn, acelerando a previsão d risco;
- otimizar preços em segmentos com inventário limitado;
- melhorar o processo de previsão de demanda.
Porém, para que o modelo data-driven funcione, é fundamental que as informações e os insights gerados a partir da coleta, tratamento e análise dos dados, sejam obtidos a partir de fontes confiáveis e relevantes para o negócio. Foi justamente no aspecto confiabilidade que Fábio Coelho centrou a sua menção velada ao escândalo envolvendo a concorrente.
“Antes de entrar fundo na questão da inteligência de dados que o Google pode aportar eu quero reforçar alguns princípios que guiam como a gente trabalha com dados. Primeiro, o controle. O usuário vem em primeiro lugar e está no controle dos seus dados de modo a decidir se quer ou não compartilhá-los. Segundo, a transparência. O usuário tem visibilidade do histórico dos dados usados. Terceiro, os dados são anônimos. Usamos dados para melhorar a experiência dos nossos produtos, mas sempre de maneira anônima e agregada. E quarto, a segurança. Nós tomamos todas as medidas possíveis para garantir a segurança dos dados. Estou trazendo isso aqui para vocês hoje em função de tudo o que a gente está vendo acontecer no mundo. É importante deixar esse compromisso de que a confiança é o ativo mais importante”, comentou o executivo.
Dois pontos me chamaram atenção na fala de Coelho: transparência e anonimato. Quanto o Google realmente é transparente em suas práticas de uso de dados e até que ponto, para empresas já proficientes na cultura data-drivem, os second e third-party data seguem anônimos?
Por conta dessas mesmas suspeita a revista The Economist lançou nesta quinta-feira, 22/3, uma proposta bem interessante e pertinente: que as empresas data-driven, se referindo especialmente às gigantes tecnológicas fornecedores de second e third party data, mantenham em sua estrutura um ombudsman ou um conselho de dados, auditado por terceiros. Parte do trabalho desse ombusdman seria estabelecer e aplicar regras para garantir a privacidade dos usuários.
Na opinião da The Economist essas empresas devem assumir que todo o modelo de negócio baseado no uso de dados dos usuários para oferta de publicidade, conteúdos, produtos e serviços está em risco após o escândalo envolvendo o Facebook e a Cambridge Analytica. E que à medida que os usuários se tornam mais bem informados, a alquimia de pegar seus dados sem pagá-los e manipulá-los para obter lucro pode morrer. A partir daí, os lucros não virão tão facilmente.
Uma pequena amostra dos prejuízos financeiros já começa a ser sentida nas ações dessas empresas. Nesta quinta-feira, as empresas focadas em tecnologia de mídia viram suas ações cair mais um pouco. A do Facebook perdeu outros 2,7%, cotada US $ 164,89 – uma queda de 11% desde segunda-feira. A do Twitter mais 4,7%, fechando a US $ 31,20; e a do Google (Alphabet), queda de 3,7%, cotada a US $ 1.053,15.
O Google decidiu agir. Em todo o mundo, a empresa – que comanda cerca de um terço da receita anual de publicidade digital global – está tentando tranquilizar os anunciantes que se preocupam com a segurança e transparência da marca. Amazon e Snapchat também.
A estratégia do Google parece ser a de transformar o limão em limonada. A gigante sabe que embora represente um grande risco, o escândalo com o Facebook pode ser também uma oportunidade, caso consiga conquistar a confiança de consumidores e marcas. E isso ficou bem claro no Think 2018.
Foram muitos os exemplos de empresas que, ao combinar seus próprios dados com os dados de terceiros fornecidos pelos serviços do Google, puderam ganhar escala, conhecer a intenção de seus consumidores e ampliar o alcance das suas estratégias de negócio.
No Brasil, a Magazine Luíza é citada pelo Google como uma empresa de varejo que já conseguiu colocar os dados no centro da sua estratégia. A empresa, que já tem 32% das suas vendas feitas via e-commerce, consegue hoje segmentar o consumidor por life time value e ter resultados melhores trabalhando com dados integrados e modelos preditivos.
“Com 7 plataforma de mais de um bilhão de usuários nós podemos entender bilhões de intenções e de interesses, em tempo real. E essa visão integrada do consumidor, do seu comportamento no mundo digital e também no mundo físico, pode ajudar a entender como gerar valor”, comentou o executivo.
O Facebook reza pela mesma cartilha, mas está descobrindo agora, da pior forma, que também precisa se esforçar ao máximo para garantir que a confiança no uso de dados não seja quebrada por nenhum participante do ecossistema. Todos são igualmente responsáveis pela lisura e transparência na coleta, tratamento, análise e, principalmente, uso dos dados.
Precisamos todos nós, cidadãos, consumidores, governos e empresas, termos a certeza de que não há outras Cambridge Analytica por aí.
Sobre a autora
Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. Hoje trabalha como colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.
Sobre o blog
Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.
Fonte: Blog Porta 23
Fotos: Cristina De Luca
Cristina De Luca – 23/03/2018 15h10 | Blog Porta 23
A manipulação de dados de usuários do Facebook pela consultoria Cambridge Analytica trouxe à tona uma preocupação latente para todos os usuários da internet: a segurança dos dados pessoais. Para assegurar a privacidade dos usuários, a Internet Society (ISOC) escreveu uma carta aberta às empresas com recomendações sobre como lidar com esse ativo.
Diz a Carta:
A Internet Society (ISOC), entidade que visa garantir o desenvolvimento aberto da Internet, está desapontada, mas não ficou surpresa com as notícias sobre a violação de dados de usuários do Facebook pela Cambridge Analytica.
Este incidente é simplesmente o resultado esperado do modelo econômico atual que está baseado em dados, e colocam os interesses comerciais em primeiro lugar ao invés dos usuários. O pedido de desculpas de Mark Zuckerberg é um primeiro passo, mas não é suficiente. A gravidade destas revelações exige muito mais do que meras desculpas. É necessário que haja mudança.
A sociedade requer padrões mais elevados de transparência e ética quando se trata do manuseio de nossas informações. Qualquer pessoa ou instituição que colete dados pessoais deve ser responsável perante seus usuários e a sociedade. Como vimos nesta semana, o abuso e o mau uso de dados podem ter graves consequências tanto no âmbito individual quanto societário.
A Internet Society está profundamente comprometida com uma Internet confiável para todos. Em um mundo conectado, todos são afetados pelas ações de cada um. Incidentes como este contribuem para um clima geral de desconfiança na Internet, chegando inclusive a ameaçar seu valor econômico.
Para quem coleta, usa ou compartilha dados pessoais, a ISOC faz as seguintes recomendações: Certifique-se de que as políticas sobre a manipulação de dados refletem os interesses dos usuários em primeiro lugar. Os seus usuários devem ser, sempre, a sua primeira prioridade; Restrição e monitoramento sobre qualquer tipo de acesso ou uso de dados pessoais.
Não colete dados se você não consegue gerenciá-los;
Seja transparente sobre o compartilhamento de dados pessoais: com quem e por quais motivos serão compartilhados;
Estabeleça regras claras para o manuseio e o tratamento de dados pessoais e mostre como essas regras estão sendo aplicadas;
Se coletar dados, facilite o controle sobre o que será coletado, como será utilizado e com quem será compartilhado; Ofereça a cada usuário a escolha de participar e fornecer os dados.
Não os obrigue, sem consentimento prévio, ou seja, aplique o “opt-in” e, não imponha o “opt-out”.
Se quisermos manter os benefícios e as oportunidades que a Internet pode trazer, devemos confiar em nossos serviços e plataformas.
As empresas precisam melhorar.