Por Guilherme Silva Freitas*
Após quase sete anos de tramitação no Congresso Nacional e, tendo como objetivo principal uma ampla reforma capaz de desburocratizar e reduzir drasticamente o tempo de tramitação das ações judiciais, a Lei nº 13.105/15 (batizada de “Novo CPC”) finalmente entrou em vigor na última sexta-feira, dia 18 de março de 2016.
Apesar da idade e do tempo de tramitação do Projeto de Lei, o Novo CPC chega num momento de muitas mudanças e inovações tecnológicas, especialmente na maneira como são realizados atos e negócios no Brasil.
Ninguém nega que estamos cada dia mais digitais, virtuais, com pensamentos, hábitos e investimentos focados no desenvolvimento e na aplicação de novas tecnologias. Há quem diga, inclusive, que não se desenvolve mais estratégia digital de negócios e sim negócios num mundo digital.
No âmbito jurídico, é sabido que as empresas, os advogados, os procuradores e os magistrados não trabalham mais com a lógica do processo judicial em papel. Apesar dos percalços e da dificuldade de adaptação, causados especialmente pela falta de unificação de sistemas, soluções e ferramentas, o processo judicial eletrônico é uma realidade presente na vida de todos os operadores do direito, sem exceção.
Neste cenário, alguns dizem que o Novo CPC pouco contribuiu para melhorar a prática de atos processuais em meio eletrônico; outros reforçam que a nova lei piorou, na medida em que delega poderes ao Conselho Nacional de Justiça e aos próprios tribunais, especialmente para “regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico…” (art. 196).
Particularmente, entendo que a Lei 13.105/15 chega numa boa hora, especialmente para reforçar a validade dos documentos eletrônicos como meio de prova.
O Novo CPC dedica uma seção específica do Livro XII (DAS PROVAS) para tratar do tema, tendo instituído as seguintes regras:
Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei.
Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.
Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica.
É importante destacar, inicialmente, que não há dúvidas de que os documentos eletrônicos sempre foram meio de prova válido e lícito no processo civil brasileiro, mesmo sem previsão expressa no Código de 1973 (revogado).
Isto porque nosso processo civil já permitia a produção de provas típicas e atípicas, físicas ou eletrônicas, pré-existentes ou produzidas no próprio processo, sem que houvesse uma regra geral de inadmissibilidade (salvo as provas produzidas ou obtidas ilicitamente). Portanto, em sendo o documento eletrônico produzido nos termos da legislação em vigor, sua admissibilidade é inquestionável, independentemente de previsão expressa no CPC.
De qualquer forma, entendo que a intenção do legislador foi justamente reforçar expressamente a admissibilidade de documentos eletrônicos como prova, principalmente num momento em que o processo em papel passa a ser a exceção.
Neste sentido, o art. 439 estabelece os requisitos para que o documento eletrônico seja usado como prova em processos físicos (equivocadamente definidos como “processos convencionais”). De acordo com esta nova regra, tais documentos devem ser impressos (obviamente aqueles passíveis de impressão) e “autenticados na forma da lei”. De acordo com o art. 440 do Novo CPC, o valor probante dos documentos eletrônicos que não sejam passíveis de conversão em papel (tais como áudios e vídeos) será definido pelo juiz, assegurado às partes o acesso ao seu teor.
Importante destacar que a presunção legal de veracidade e autenticidade de documentos foi ampliada pelo art. 411 da Lei 13.105/15, sendo considerado autêntico o documento quando: I – o tabelião reconhecer a firma do signatário; II – a autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei; III – não houver impugnação da parte contra quem foi produzido o documento.
Portanto, os documentos produzidos e assinados com certificação digital passam a ter presunção de veracidade e autenticidade, não sendo mais necessário qualquer outro método para comprovação de sua autenticidade (ex. reconhecimento de firma em cartório e etc…).
Trata-se de uma mudança extremamente relevante, na medida em que viabiliza a chamada “desmaterialização” de documentos e processos. Não faz mais sentido se falar em “digitalização”, microfilmagem ou qualquer outra forma de conversão de documentos do formato físico para o digital.
Isto porque, com a nova redação do art. 411, os documentos que “nascem” eletrônicos, especialmente com a autoria reconhecida por assinatura digital válida, possuem presunção de veracidade e autenticidade. Caso seja objeto de prova em processo judicial “físico”, basta a sua conversão em formato impresso (art. 439). Por sua vez, quando forem utilizados em processo eletrônico, tais documentos serão mantidos no formato original, nos termos do art. 441 do CPC.
Daí a importância de se utilizar métodos de produção e assinatura de documentos nos padrões definidos pela ICP-Brasil. Além de conferir maior segurança em relação à validade e autenticidade dos documentos, tais métodos cumprem os requisitos trazidos pelo Novo Código de Processo Civil.
Importante lembrar que o projeto de “desmaterialização” dos processos judiciais já está sendo replicado no âmbito dos procedimentos administrativos. E, a partir da implementação e do desenvolvimento do SEI – Sistema Eletrônico de Informações, o Governo Federal pretende desburocratizar a prática de atos em diversos órgãos e autarquias participantes. Logicamente, os documentos eletrônicos terão sua validade reconhecida, agora com a “força” conferida pelo Código de Processo Civil.
Finalmente, destacamos outra inovação da Lei 13.105/15 que dará ainda mais segurança à utilização de documentos eletrônicos no Brasil. De acordo com o art. 190 do Novo CPC, “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.
Portanto, para reforçar ainda mais o valor probante dos documentos eletrônicos, sugere-se que os contratos celebrados com a utilização de assinatura digital tenham cláusula específica sobre sua validade e observância em uma eventual discussão (judicial ou arbitral).
Concluímos que:
- Apesar dos documentos eletrônicos já serem admitidos como prova em nosso processo civil, o Novo CPC definiu regras claras para a sua utilização, inclusive nos processos físicos.
- A partir de agora, qualquer documento produzido e assinado eletronicamente, nos termos da legislação em vigor, tem presunção de veracidade e autenticidade.
- Documentos que “nascem” eletrônicos podem ser utilizados em qualquer tipo de processo, inclusive em processos físicos (após a devida conversão em papel).
- Em decorrência das novas regras trazidas pela Lei 13.105/15, sugere-se a utilização de métodos de criação e assinatura digital nos padrões da ICP-Brasil.
- Os documentos bilaterais (como contratos) devem conter cláusula reforçando sua validade e observância para todos os fins de direito.
Mais uma vez, fica evidente que só mantem processos em papel quem quer gastar dinheiro para permanecer no passado.
*Guilherme Freitas é apaixonado por tecnologia e inovação. Bacharel em Direito e especialista em Direito Tributário, atuou desde 2006 em departamentos jurídicos de grandes empresas, principalmente no desenvolvimento e na gestão de contratos complexos.
Sócio do escritório Veiga, Hallack Lanziotti e Castro Véras Advogados, especializado em contratos e em grandes operações societárias.
Colunista do Portal CryptoID.
Dúvidas e sugestões de temas para a nossa Coluna, entre em contato pelo e-mail guilherme.freitas@vhclaw.com.br