O impacto da Lei Geral de Proteção de Dados nos Processos, e a tendência litigiosa de seu descumprimento ou interpretação superficial
2 de outubro de 2020Por Victor Fernandes Cerri de Souza
Praticamente todas as evidências, sejam em litígio judicial, arbitragem, ou relacionadas a investigações realizadas por reguladores ou autoridades de fiscalização, conterão alguns dados pessoais por inerência ao procedimento.
Na enxurrada de atividades em torno do imediato início da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados, muitas organizações comprometeram amplos recursos para a realização de auditorias de dataprivacy, avaliando até que ponto suas atividades envolvem o tratamento de dados pessoais e considerando se seus processos estão em conformidade com a nova legislação.
Compreensivelmente, o foco nessas revisões tende a ser nas atividades operacionais regulares das organizações. Mas, uma questão que tem recebido menos atenção, mesmo no setor jurídico, é o dilema funcional de como as regras de proteção de dados se aplicam quando as organizações estão lidando com dados no contexto de um litígio.
Não há um roteiro absoluto de como se aplicam ao processo de contencioso esses novos ditames, diretrizes e limites legais trazidos pela LGPD. Na medida em que a questão foi considerada, muitos podem ter simplesmente assumido que, quando os dados pessoais estão sendo coletados e divulgados no contexto de um processo legal formal, devem ser cobertos por alguma isenção legal.
No entanto, a posição não é tão simples. Embora o LGPD contenha uma série de disposições que legitimam efetivamente o processamento de dados pessoais quando realizado em conexão com o exercício de direitos legais, cada uma dessas disposições é específica para obrigações particulares na legislação.
Nenhuma das disposições se aplica integralmente a todos, de modo a permitir que uma parte ignore efetivamente a proteção de dados em um determinado contexto.
Por conseguinte, indivíduos que agora têm maior consciência de seus direitos nessa seara, são mais propensos a buscarem exercer esses direitos e as partes em litígio podem explorar o escopo de usar a proteção de dados como um subterfúgio ou artifício adicional em seu arsenal tático e estratégico.
Desta forma, há efetiva possibilidade de qualquer violação da LGPD dentro do processo litigioso ser facilmente identificada e resultar em ação, sustentada pela ameaça de multas regulatórias muito maiores. Portanto, é mais importante do que nunca que as partes envolvidas na demanda, seus patronos e consultores, conheçam como a lei interage diretamente com o processo.
Todo este cenário de mutações e inovações, inevitavelmente faz emergir preocupações sobre se as partes deveriam alterar suas práticas atuais no que diz respeito à supressão de dados pessoais irrelevantes na divulgação, e com o fazê-lo. Sobretudo, a fim de evitar-se mais um nicho de judicialização, que sobrecarregaria ainda mais nossos Tribunais, onerando toda a sociedade.
Nesse sentido, a implementação de práticas e procedimentos transparentes e a conscientização dos titulares de dados, já reduziria consideravelmente as disputas e chances de conflito, inclusive para demandantes contumazes e mal intencionados.
Outrossim, criar-se canais para a intermediação, mediação e resolução efetiva de eventuais problemas advindos de fluxo ou tratamento errôneo de dados, corroboraria para atestar a adequação do órgão ou da empresa à legislação, bem como proporia o esgotamento de vias de solução compositória – por acordo ou transação -, antes da evolução direta – e muitas vezes desnecessária e aleatória – do tema ao Judiciário. Sob este raciocínio já evoluem os entendimentos e ponderações dos tribunais do mundo, ao entenderem que os meios reclamatórios e de resolução extrajudicial de conflito, devem ser esgotados antes de buscar-se tutela estatal pela via judicial, o que conota intuito de razoabilidade e transigência, que deve permear qualquer disputa e relação, e assim guiar as consequências desta nova lei, para que sejam preponderantemente positivas.
Victor Fernandes Cerri de Souza, advogado, especialista em Direito Processual Civil, Contratos, e Proteção e Privacidade de Dados; Vice Presidente da Comissão de Direito Contratual, Compliance e Propriedade Intelectual da OAB/SP – Subseção Santana.
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