Renato Martini, ex-presidente do ITI, fala ao Crypto ID sobre a MP 983 que trata das assinaturas eletrônicas no âmbito dos entes públicos
17 de junho de 2020Publicado dia 17 de junho de 2020 no Diário Oficial da União a Medida Provisória n° 983, que simplifica a assinatura eletrônica de documentos públicos. A assinatura eletrônica substitui o papel, inclusive em atestados de afastamento e prescrições feitos pelos profissionais de saúde.
Para falar sobre a MP 983, conversamos com Renato Martini que foi presidente do ITI por cerca de 10 anos e é uma das referências técnicas, sobre assinatura digital, mais conceituadas em nosso país.
Crypto ID: A publicação hoje da MEDIDA PROVISÓRIA Nº 983 trará impactos para a ICP-Brasil?
Renato Martini: Certamente que sim.
Crypto ID: Mas serão impactos positivos?
Acho que este é o alcance decisivo desta pergunta. Impacto forçosamente decisivo será a publicação futura do PL 7.316/2002 e que ainda tramita no Congresso.
Nada contra a MP 983, mas de textos lacônicos nós já temos a MP 2.220. De outro lado, consideremos que abrirá o debate no país e isto deve ser considerado como positivo. Sobretudo despertará na ICP-Brasil a necessidade de inovação e revisão de seus processos, o que também é positivo. Esta publicação ensejará o debate.
Não me canso de dizer que quando cheguei em 2003 ao ITI, não havia computação em nuvem, nem smartfones, nem o impacto das redes sociais que temos hoje. Não existiam disponíveis bases públicas de biometria e os seus equipamentos eram caros.
Os meios de pagamento estão se multiplicando. Em uma década abriu-se um leque de possibilidades e a certificação digital do sistema ICP-Brasil deve abraçar novos horizontes. Nenhuma crítica à abordagem de novas normas, em especial desta MP, deve obliterar este fato: é preciso inovar.
Crypto ID: A nova qualificação de assinaturas eletrônicas será boa para o país?
Renato Martini: Como disse anteriormente, a nova MP é muito lacônica para um tema de tal complexidade. Um sistema para o Brasil endereçar de forma correta, juridicamente e tecnicamente, um regime de assinaturas, qualificadas, avançadas e simples, deve ser a meu ver integrado ao sistema ICP-Brasil.
Definir padrões e uso, critérios técnicos, critérios de longevidade e recuperação de um documento digital, não coube e nunca caberá em tão poucos artigos.
Para isso o país tem uma autarquia com profissionais especializados para dar o devido tratamento a estes conceitos. Aliás, aproveito o ensejo, já o fiz virtualmente, para dar boas vindas ao novo Presidente do ITI, Dr. Carlos Fortner. Como já lhe disse jocosamente: o senhor não morrerá de tédio!
Crypto ID: O Capítulo II da Medida Provisória dá um novo tratamento ao ITI, que o senhor esteve à frente por vários anos, como avalia essas alterações de atribuição?
Renato Martini: Olhei por várias vezes este artigo 5º e confesso que ainda leio para entender se minha compreensão está correta, em especial o inciso onde se lê: “fornecimento de assinaturas eletrônicas avançadas a pessoas naturais e a pessoas jurídicas para uso nos sistemas de entes público”.
O ITI é a AC Raiz da ICP-Brasil responsável por credenciar e auditar e fiscalizar os entes deste sistema, nunca poderá participar de forma concorrencial com os participantes deste sistema. Não creio que isto será positivo. Espero que o parlamento vede expressamente este inciso, não há sentido em estatizar uma infraestrutura com entes privados.
Crypto ID: Como ex-presidente do ITI por mais de uma década considera que essa MP retira a exclusividade da ICP-Brasil no mercado de certificação digital?
Renato Martini: A MP 2.220 no tão comentado art. 10 § 2º já tinha assentado as bases de um acordo entre as partes e, por conseguinte, do uso de certificados fora da cadeia da ICP-Brasil. A nova MP deu uma roupagem mais colorida ao tema, digamos assim, dando espaço a um regime de assinaturas fora do sistema ICP-Brasil.
No entanto, a pedra de toque aqui, e parece esse ser o espírito do artigo 3, é dar presunção de validade jurídica a um mero e banal “login & senha” ou um rabisco num tablet.
Creio sinceramente que as pessoas fazem as normas com a melhor das intenções. No entanto, deve ser sopesado os riscos deste tipo de manobra. Sei que o profissional de segurança da informação é um chato por excelência. Mas é necessário um tratamento mais adequado dessas novas nomenclaturas admitidas. Não falamos aqui somente de tecnologia, mas os efeitos jurídicos subjacentes à sociedade da informação e à desmaterialização de processos.
Crypto ID: Como avalia em termos de segurança as novas modalidades de assinatura eletrônica criadas pela MP 983?
Renato Martini: Como afirmei, é preciso um tratamento mais cuidadoso do tema.
Já me ocupo destes temas desde 2000, e ainda me restam muitas dúvidas. É salutar consultar os diversos segmentos que se ocupam desta temática.
O Comitê Gestor da ICP-Brasil, coordenado pela Casa Civil, e diligentemente secretariado pelo ITI produziu centenas de normas para este mercado.
Foi apenas por deleite acadêmico? Em absoluto, é a complexidade dos temas, um esforço de padronizar, estabelecer regras de interoperabilidade e critérios de segurança, por isso esta infraestrutura se fez presente e deu frutos. Por outro lado, uso de algo como uma assinatura avançada não deve ser recusado liminarmente, só deve ter sua aplicabilidade bem delimitada.
Os perímetros entre estas modalidades de assinaturas devem ser melhor definidos, e, então, evitar demonizar qualquer novo tipo de abordagem tecnológica.
Crypto ID: A MP 983 poderá fazer com que outros Poderes da República a adotem?
Renato Martini: Não tenho a devida competência jurídica para responder a contento. Pelo que posso ler, e em apertada síntese, me parece que toda a aplicabilidade se volta para as Administrações públicas, e mesmo exclui, no início da MP, os processos judiciais.
Crypto ID: Você considera que a MP 983 poderá ter um efeito colateral no Judiciário brasileiro?
Renato Martini: Talvez. Assim sendo, poderá o Judiciário considerar em sistemas digitais algo como uma assinatura simples? Não se poderá descartar agora tal hipótese.
Crypto ID: O envio de um simples e-mail será considerado um meio legítimo de identificar o signatário para fins dos assinatura eletrônica simples, nos termos do Art.2. inciso I? Como os dados associados ao signatário serão checados ou conferidos para garantir a segurança dessa assinatura?
Renato Martini: Dr. Fabiano Menke no seu livro referência sobre assinatura digital assevera com clareza, que na ICP-Brasil a assinatura digital é meio de prova, fora dela só podemos admitir uma assinatura como objeto de prova. O país não pode descartar a segurança e estabilidade uma infraestrutura nacional como a ICP-Brasil em nome de processos excessivamente simples, fáceis e rápidos.
Identificar pessoas é a coisa mais simples e mais complexa a ser feita: basta entregar uma credencial a um brasileiro sem maiores rigores para que se tenha uma torrente de fraudes. E quem sempre paga a conta deste tipo de fraude é a própria sociedade…
Crypto ID: Se a assinatura eletrônica qualificada é a que utiliza certificado digital, qualquer certificado, mesmo que não seja ICP Brasil, garantirá este status de assinatura qualificada, uma vez que o inciso III faz menção a MP 2.200 de forma genérica?
Renato Martini: Não creio que foi o espírito da Executivo; ali assinatura qualificada é conceitualmente ICP-Brasil. Ainda uma vez toco neste tema, MP foi infelizmente lacônica demais para tratar assuntos sobejamente complexos e cheios de oportunidades e riscos. Quem sabe a Câmara não apensará esta MP ao PL 7316 que está na CCJ. O Brasil precisa, e é urgente, de uma Lei completa para seu sistema nacional de certificação digital, para tratar destas novas nomenclaturas tropicalizadas entre tantos outros temas.
Renato Martini é ex-presidente do ITI e consultor independente.
Governo publica nova MP 983 sobre assinatura eletrônica em comunicações entre entes públicos